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20 anos sem Yasser Arafat

Com um legado que combinou resistência, negociações e tentativas de pacificação, Arafat se consolidou como um dos líderes mais influentes e controversos do século 20

Eleito presidente da ANP em 1996, Arafat enfrentou enormes desafios para liderar uma população sob ocupação e em condições precárias -  (crédito: SUHAIB SALEM)
Eleito presidente da ANP em 1996, Arafat enfrentou enormes desafios para liderar uma população sob ocupação e em condições precárias - (crédito: SUHAIB SALEM)

Marco Aurelio Moura dos Santos, doutor em direito internacional e comparado(USP), pesquisador do Grupo de Estudo sobreProteção Internacional das Minorias no DireitoInternacional (Gepim–USP)

Em 11 de novembro de 2024, completam-se duas décadas da morte de Yasser Arafat, figura central na luta palestina e no complexo cenário do Oriente Médio. Com um legado que combinou resistência, negociações e tentativas de pacificação, Arafat se consolidou como um dos líderes mais influentes e controversos do século 20.

Nascido Mohammed Abdel-Raouf Arafat Al Qudwa Al-Hussein, no Cairo (Egito), em 1929, recebeu o apelido de Yasser, que significa afável. Construiu fortuna como comerciante no Kuwait, onde participou da criação do Fatah, organização de resistência armada contra a ocupação israelense na Palestina. Com o apoio de diversos países árabes, Arafat foi eleito em 1969 como líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Em 1974, fez sua primeira aparição na sede das Organização das Nações Unidas (ONU) e, num discurso enérgico e marcante, trouxe a questão palestina à atenção mundial, iniciando uma trajetória em que buscaria conciliar diplomacia e resistência.

Yasser Arafat dedicou sua vida à busca pela autodeterminação palestina e por uma solução pacífica no conflito com Israel. Embora, inicialmente, a OLP tenha adotado estratégias de luta armada, a liderança de Arafat nos anos de 1980 apontou para renúncia ao terrorismo e o reconhecimento do direito de existência de Israel. O movimento estratégico redefiniu a luta palestina, aproximando-a das esferas de diplomacia e direitos humanos.

A assinatura dos Acordos de Oslo, em 1993, foi um marco para Arafat. Negociados com o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o chanceler Shimon Peres, os acordos simbolizavam um avanço inédito para a pacificação do conflito. Para o direito internacional, Oslo representava uma tentativa de garantir o direito à autodeterminação da Palestina, conforme estabelecido pela ONU. A criação da Autoridade Nacional Palestina(ANP) em 1994, destinada a administrar territórios palestinos como uma etapa para a independência, reforçou essa visão.

Contudo, as promessas de Oslo se mostraram difíceis de concretizar. A ocupação israelense avançou, com novos assentamentos em territórios palestinos, prática considerada violação do direito humanitário internacional. A incapacidade de implementar o acordo alimentou a insatisfação e radicalização de facções palestinas, enfraquecendo a confiança na paz.

Eleito presidente da ANP em 1996, Arafat enfrentou enormes desafios para liderar uma população sob ocupação e em condições precárias. Com restrições severas de movimento, demolições de casas e prisões arbitrárias, os palestinos em Gaza e na Cisjordânia conviviam com a deterioração dos direitos humanos. 

A Segunda Intifada (2000-2005) intensificou a violência naquele contexto, dificultando os esforços de paz e isolando Arafat politicamente. Cercado em seu quartel-general em Ramallah, viu o controle sobre a situação ser enfraquecido pelo crescimento do Hamas, que rejeitava os acordos de paz e se opunha à linha diplomática.

Apesar da pressão e do crescimento do radicalismo, Arafat manteve-se distante das agendas de grupos armados islâmicos, como o Hamas e o Hezbollah. Embora inicialmente tenha defendido a resistência armada como um direito de um povo sob ocupação, seu objetivo era a pacificação. A recusa de Arafat em apoiar abertamente esses grupos refletia a percepção de que a radicalização militar poderia deslegitimar a causa palestina. Mesmo com esforços para alcançar uma paz, o prolongado conflito e a ocupação israelense comprometeram o sonho de um Estado palestino independente. A prisão domiciliar imposta a Arafat desde o início da Segunda Intifada até seu adoecimento tornou-se um símbolo das dificuldades enfrentadas pelo líder e de sua luta por uma solução diplomática.

Duas décadas após sua morte, o legado de Arafat é marcado por uma mistura de esperança e frustração. O líder levou a questão palestina ao cenário global e buscou apontar para a paz. No entanto, o fracasso em alcançar um acordo duradouro e proteger os direitos da população palestina sob ocupação marcaram seus últimos anos. O conflito Israel-Palestina persiste como um dos desafios mais complexos do cenário mundial. A visão de Arafat por um Estado palestino soberano e independente ainda é um objetivo distante, mas seu nome continua associado à luta por justiça e à busca por uma solução pacífica para um dos conflitos mais duradouros e delicados da Era Moderna.

Marco Aurelio Moura dos Santos - Opinião
postado em 11/11/2024 06:01
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