André Gustavo Stumpf, jornalista
A impressionante vitória de Donald Trump na eleição norte-americana derrubou as previsões feitas pelos institutos de pesquisa e pelos chamados observadores. Todos previam uma eleição disputada, voto a voto, o que não se revelou afinal. Trump venceu bem e fácil, fez a maioria na Câmara de Representantes e no Senado. Ou seja, vai governar com as mãos livres para tomar as decisões que bem entender. No intervalo entre as duas guerras mundiais, os Estados Unidos assumiram uma posição voltada para seus interesses internos, na tentativa de superar a profunda recessão. Foi a abertura para o mundo, feita por Franklin Roosevelt, que colocou o país na posição de primeira economia do mundo. Trump, agora, quer percorrer o caminho contrário — retornar ao isolacionismo.
A velha direita norte-americana anda muito assustada com os ganhos recentes dos países asiáticos, em especial os da China. Os chineses cometeram a heresia de desafiar o império americano naquilo que tinha ou tem de mais relevante: seu controle sobre o comércio internacional. Os chineses foram mais longe e avançaram muito na tecnologia. Hoje, estão à frente do grande irmão do norte. E no campo do comércio, o mercado mundial foi inundado por produtos chineses de baixo custo que, rapidamente, venceram a concorrência com seus congêneres norte-americanos. O desemprego apareceu no antigo centro do mundo.
A reação teria de vir, cedo ou tarde. Os chineses que, na política externa agem como jogadores de xadrez, devem ter previsto o fenômeno. A China não poderia crescer indefinidamente e colocar o império contra a parede. Haveria, em algum momento, forte reação. Aconteceu agora. É curioso que latinos e negros, aculturados na sociedade norte-americana, se associem à ascensão da direita, porque os empregos deles também estão ameaçados. A realidade da economia internacional, decorrente da globalização, mexeu nos fundamentos de todo o mundo e deixou os norte-americanos preocupados. Eles, que defendiam a abertura dos mercados e o livre-comércio, agora propugnam pelo protecionismo radical.
Há diferença entre intenção e gesto. Distância entre o candidato e o presidente. Nem sempre o figurino de um cabe no perfil do outro. Mesmo vencedor em larga escala, Trump terá dificuldades naturais para exercer solitariamente sua vontade. Taxar produtos chineses para proteger a indústria norte-americana pode significar elevação de preços internos. Ou seja, mais inflação. Ele assumiu o compromisso de baixar a inflação e elevar o nível de emprego. A primeira tentação será pular por cima de barreiras que impeçam a maior produção de bens minerais, entre eles o petróleo. A política externa deverá oferecer cenas de corar frade de pedra. Não é preciso ter bola de cristal para prever que ele vai se envolver na guerra da Ucrânia e deixar o assunto para os europeus. Deve conversar com seu amigo Vladimir Putin e tentar algum tipo de acordo. Mas sempre estará preocupado em reduzir os custos dos Estados Unidos para manter a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
O governo de Israel pode soltar foguetes. Trump será muito favorável ao governo de Jerusalém e tende a não dar muita atenção à reclamação dos árabes. Deve aprofundar algum tipo de isolamento ainda maior a países como Irã e Venezuela, na América do Sul. O Brasil, naturalmente, permanece fora das preocupações do presidente dos Estados Unidos. Lula, aliás, cometeu o incrível deslize de, na véspera da eleição, elogiar Kamala Harris e chamar Trump de nazista. Só resta correr atrás do prejuízo. A política externa brasileira, que começou com pose de primeiro mundo, não chegou a lugar nenhum.
A principal consequência da vitória de Trump no Brasil deverá ter caráter político. A agenda ambiental será modificada de alguma maneira. Mas o principal realinhamento será o reforço dos grupos de direita e centro-direita do Brasil. O ex-presidente Jair Bolsonaro pode começar a sonhar com possível perdão na Justiça brasileira, que sabe o momento e a hora de se curvar às realidades da política. Todo o desenrolar da Operação Lava Jato, o vai e vem das interpretações jurídicas, justificam a crença de que o entendimento jurisprudencial se movimenta segundo as principais tendências do momento. Os novos candidatos à Presidência da República vão aparecer logo. E a esquerda precisará correr muito para encontrar um candidato com chances de vitória, diante da avalanche direitista que deve varrer o mundo ocidental. Um novo valor se alevantou.