Há um entendimento nas disputas eleitorais de que o tom acima vociferado nas promessas de campanha perde a força depois de concluída a apuração das urnas. Espera-se um recuo do vencedor em prol da governabilidade interna e das relações exteriores. A vitória expressiva de Donald Trump nas eleições americanas parece ter colocado esse entendimento em xeque. No discurso em que declarou sua vitória, o repulicano alertou que comandará seu governo sob o lema "Promessas feitas, promessas cumpridas". Há quem aposte que Trump ajuste a postura. Mas são poucas as chances de ele protagonizar uma gestão comum, o que terá impactos no Brasil e no resto do mundo.
Um ponto que não costuma figurar entre as discussões políticas e merece atenção é a questão ambiental. O próximo presidente de um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do planeta é contrário à luta contra as mudanças climáticas. Chega a afirmar que o aquecimento global é "uma das maiores fraudes de todos os tempos". No discurso de ontem, reafirmou a postura ao dizer que vai aumentar a extração de petróleo no país. "Temos o líquido de ouro mais do que qualquer outro país, mais do que a Arábia Saudita, do que a Rússia", justificou.
O plano político do republicano sugere também a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (UNFCCC), o fim de subsídios aos carros elétricos e cortes nos financiamentos de medidas da mitigação climática, entre outras iniciativas. Ao Correio, Simon Lewis, presidente do Global Change Science da Universidade College London, na Inglaterra, avalia que "os impactos climáticos cada vez mais letais aumentarão".
Cabe ressaltar que a vitória do republicano provoca, no mínimo, um desapontamento às vésperas da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), em Baku, no Azerbaijão. A expectativa era de que se avançasse nas negociações de compromissos para salvar o Acordo de Paris, que prevê limitar em 1,5ºC o aumento da temperatura até o fim deste século. A vitória de Trump, para alguns, é um balde de água fria na COP. Também acende o alerta no Brasil, que sediará o evento do ano que vem. O país tem agora o desafio de comandar a conferência com Trump no poder, ainda que ele não desembarque, em novembro, no Pará.
A ex-ministra do Meio Ambiente brasileira Izabella Teixeira afirmou acreditar que, no atual contexto de urgência climática, o negacionismo perdeu força. Mesmo com a vitória de Trump, segundo a ambientalista, a sociedade, incluindo a estadunidense, é "co-responsável pelas soluções para essa crise" e tem ciência disso. Por outro lado, também é certo que o republicano retorna à presidência mais forte e maduro politicamente. A América, segundo ele, deu-lhe "um mandato poderoso e sem precedentes".
Se em 2016, Trump foi um outsider. Desta vez, tem o peso da primeira passagem pela Casa Branca, a maioria no Senado, possível maioria na Câmara e vitória no voto popular, além de uma Suprema Corte conservadora. Na avaliação de especialistas, o cenário é propício à adoção de mudanças radicais no país, com desdobramentos para além das fronteiras americanas.
Não à toa, líderes mundiais, ao parabenizar Trump, ressaltaram a importância do diálogo e de alianças. Luiz Inácio Lula da Silva, que, na semana anterior, declarou preferir a vitória de Kamala Harris, também lembrou que a " democracia é a voz do povo e deve ser sempre respeitada". É ainda o norte para o bem coletivo, o respeito aos diversos e a prosperidade. Que a democracia também inspire Trump a descer do palanque.