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A disputa pela hegemonia no Oriente Médio

É esperado que Trump interrompa ou diminua o envio de ajuda militar e busque acordos com a Rússia para pôr fim à guerra na Ucrânia, por ter como meta principal realizar o interesse nacional dos EUA (American First) e devido ao bom relacionamento diplomático com Putin

Trump volta à Casa Branca num contexto de pleno envolvimento dos EUA em duas frentes de guerra: na Ucrânia e na Palestina -  (crédito:  AFP)
Trump volta à Casa Branca num contexto de pleno envolvimento dos EUA em duas frentes de guerra: na Ucrânia e na Palestina - (crédito: AFP)

Reginaldo Mattar Nasser*, Isabela Agostinelli**

Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) tornou-se um hábito tentar construir cenários para a política externa dos Estados Unidos quando ocorrem as eleições presidenciais. Com a eleição de Trump, essa expectativa tornou-se maior ainda, pois se trata de alguém que é verborrágico e agressivo em seus discursos. Uma influente analista identificada com o partido democrata, Anne Applebaum, chegou a dizer que Trump estava falando como Hitler, Stalin e Mussolini usando as táticas da década de 1930.

Muito embora a figura presidencial seja importante no processo decisório na política externa dos EUA, o Congresso, em sintonia com lobbies e organizações, é um ator decisivo. Um acontecimento histórico importante, que marcou decisivamente a história dos EUA e revelou o poder do Congresso, foi o veto do Senado ao ingresso do país na Liga das Nações como queria o presidente Woodrow Wilson, após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Além disso, não se pode desconsiderar as mudanças de contextos que podem ser imperativas na reformulação de estratégias políticas. Durante a campanha eleitoral de 1932 nos EUA, os temas relacionados à crise econômica obscureceram os temas de política externa. O então candidato Franklin D. Roosevelt criticou seu adversário por se envolver demasiadamente em questões relacionadas à Europa e propôs focar nos problemas que aconteciam nas cidades e estados norte-americanos. Como se sabe, após ser eleito, Roosevelt se tornou um dos presidentes mais internacionalistas na história.

Feitas essas ressalvas, podemos fazer algumas inferências a respeito da conduta internacional do governo Trump que retorna à presidência num contexto de pleno envolvimento dos EUA em duas frentes de guerra: na Ucrânia e na Palestina.

Por um lado, é esperado que Trump interrompa ou diminua o envio de ajuda militar e busque acordos com a Rússia para pôr fim à guerra na Ucrânia, condizente com seu objetivo de realizar o interesse nacional dos EUA (American First), além do bom relacionamento diplomático com Putin. Por outro lado, as expectativas de mudança na condução da política externa para o Oriente Médio são baixas. Seu primeiro mandato foi marcado por um apoio sem precedentes a Israel. Trump se retirou do Acordo Nuclear assinado em 2015 com Irã e países europeus e, logo em seguida, retomou as sanções econômicas ao país. Ademais, o republicano encerrou o financiamento fornecido à UNRWA, Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina, responsável por dar assistência humanitária aos 5,9 milhões de refugiados palestinos registrados.

Teve destaque na sua administração a elaboração dos Acordos de Abraão, que pautavam um processo de "normalização" das relações de países árabes (Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Sudão) com Israel. O grande problema, como se pode notar, foi a ausência da Arábia Saudita nesse processo. De qualquer maneira, na visão de Trump, os Acordos de Abraão cumpririam dois objetivos principais: uma "coalizão anti-Irã" e desvincular a questão Palestina dos países árabes por meio da chamada "paz de mercado". Nessa concepção, a estabilidade regional seria decorrente das boas relações comerciais entre o "mundo árabe" e os israelenses, que não mais teriam a questão Palestina como empecilho. Com isso, Trump avançou seu famoso plano de paz para o Oriente Médio.

A chegada de Biden à presidência não alterou essa tendência, apesar de alardear mudanças na política para o Oriente Médio. Pelo contrário, Biden tentou dar sequência aos Acordos de Abraão se esforçando pela inclusão da Arabia Saudita. Entretanto, as negociações foram paralisadas após o ataque do Hamas em outubro de 2023 que gerou a ação militar israelense. O democrata não só manteve o apoio histórico a Israel, como o aumentou diante do genocídio em Gaza, chegando ao montante recorde de 17,9 bilhões de dólares em ajuda militar a Israel desde os ataques de 7 de outubro.

Alguns analistas chegaram a dizer que, com a invasão do sul do Líbano e a troca de ataques com Irã aumentando a possibilidade de uma guerra regional, as relações EUA-Israel chegaram a um momento crítico. Apesar de haver um certo mal estar na ala esquerda do Partido Democrata, o consenso partidário em torno do apoio a Israel continua bastante sólido.

Entretanto, o fortalecimento da presença econômica e diplomática da China (que mediou a normalização das relações entre Irã e Arábia Saudita) no Oriente Médio, bem como as sólidas relações da Rússia com os países do Conselho de Cooperação do Golfo (que não aderiram às sanções europeias e estadunidenses imposta aos russos) revelam um novo momento no Oriente Médio.

Uma das críticas mais contundentes de Trump a Biden é que os EUA perderam a capacidade de liderança na região, o que nos leva a levantar a hipótese de que haverá intensificação da disputa com Rússia e China. De qualquer forma, apesar de os EUA ainda serem um ator que vai às últimas consequências em seu apoio a Israel, é fato que já não são mais o poder hegemônico inconteste na região.

*Professor livre-docente na área de relações internacionais da PUC-SP, coordenador do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI PUC-SP) e pesquisador do Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU)

**Pesquisadora de pós-doutorado no Instituto de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU) e do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI PUC-SP)

 


postado em 07/11/2024 06:00
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