A Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados pode trazer mudanças significativas no funcionamento da economia brasileira, caso também passe no Senado Federal. A principal alteração se concentra na criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um texto único para substituir os complexos tributos estadual (ICMS) e municipal (ISS). A reforma cumpre com seu papel de desburocratização da relação de consumo e aumenta a transparência — facilitando o entendimento da população sobre aquilo que ela paga ao comprar um determinado produto. Porém, deixa de atacar um ponto fundamental da discussão acerca da tributação no país: a diminuição da desigualdade social.
Na semana passada, deputados federais tiveram uma nova oportunidade para mudar um pouco da realidade atual, na qual o grupo dos 1% mais ricos tem um rendimento médio 39 vezes maior do que a média daqueles incluídos nos 40% mais pobres do país: R$ 20,6 mil contra R$ 527, de acordo com o IBGE. Não o fizeram. Pela proposta de emenda do deputado federal Ivan Valente (PSol-SP), fortunas entre R$ 10 milhões e R$ 40 milhões seriam taxadas em 0,5%. O percentual dobraria para 1% para patrimônios entre R$ 40 milhões e R$ 80 milhões. Quem ultrapassa a barreira dos R$ 80 milhões teria que pagar 1,5% de alíquota.
O texto precisava de 257 votos para passar, mas recebeu apenas 136 — a maior parte dos favoráveis foram parlamentares de esquerda e centro-esquerda. Além de aumentar a arrecadação do país, sobretudo em um momento de pressão por corte de gastos, a medida serviria para passar um recado à sociedade. A mensagem de que desigualdades tão volumosas não devem ter mais espaço no mundo contemporâneo.
A negação da emenda era esperada. Ainda assim, merece questionamentos. A própria Constituição Federal, em seu artigo 153, prevê que "compete à União instituir impostos sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar". Essa legislação, no entanto, nunca saiu do papel e ajuda a manter 63% da riqueza do país nas mãos de 1% da população, segundo relatório elaborado pela Oxfam Brasil.
Um contraponto é importante. Especialistas, como o ex-consultor do FMI Isaias Coelho, avaliam que a taxação das grandes fortunas não é a medida mais aconselhável para aumentar a arrecadação do país e equilibrar o caixa. Há um temor do mercado financeiro de que a medida, caso colocada em vigor, aumentasse as chances de investidores retirarem capital do país, o que pressionaria a economia interna e limitaria a efetividade do imposto.
Em uma segunda análise, vale discutir outra medida ignorada pela Reforma Tributária: a revisão da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Hoje, no Brasil, qualquer pessoa com vencimentos acima de R$ 4.664,68 paga uma alíquota de 27,5%, independentemente de ganhar R$ 5 mil por mês ou R$ 300 mil, usando uma comparação básica. Na prática, não há diferença no imposto pago entre um trabalhador de classe média ou alguém que fature milhões por ano.
Quando estava em campanha em 2022, Lula prometeu isentar do IRPF todos os trabalhadores que ganham até R$ 5 mil — a medida hoje alcança quem recebe até R$ 2.259,20. É bem verdade que essa política pública não depende unicamente do governo federal, já que requer árdua articulação com o Congresso. No entanto, medidas como a adotada pelo Planalto na votação da taxação das grandes fortunas — na qual o governo liberou os partidos de sua base para definir as posições de suas bancadas — não ajudam a diminuir a reconhecida desigualdade social e soam incoerentes.