Crise Climática

Como um tsunami, a crise climática atinge um governo

Pedro Sánchez precisa agir e convencer. Ou a próxima onda que pode atingir a Espanha não será climática, será política

Wreckage of cars and debris are piled up in the streets of Paiporta, on October 31, 2024, covered in mud after flash floods ravaged this area of Valencia region, eastern Spain. Rescuers raced on October 31, 2024 to find survivors and victims of once-in-a-generation floods in Spain that killed at least 95 people and left towns submerged in a muddy deluge with overturned cars scattered in the streets. About 1,000 troops joined police and firefighters in the grim search for bodies in the Valencia region as Spain started three days of mourning. Up to a year's rain fell in a few hours on the eastern city of Valencia and surrounding region on October 29 sending torrents of water and mud through towns and cities.  -  (crédito: Jose Jordan/AFP)
Wreckage of cars and debris are piled up in the streets of Paiporta, on October 31, 2024, covered in mud after flash floods ravaged this area of Valencia region, eastern Spain. Rescuers raced on October 31, 2024 to find survivors and victims of once-in-a-generation floods in Spain that killed at least 95 people and left towns submerged in a muddy deluge with overturned cars scattered in the streets. About 1,000 troops joined police and firefighters in the grim search for bodies in the Valencia region as Spain started three days of mourning. Up to a year's rain fell in a few hours on the eastern city of Valencia and surrounding region on October 29 sending torrents of water and mud through towns and cities. - (crédito: Jose Jordan/AFP)

Simone Varella

A onda de destruição das enchentes que chegaram à costa mediterrânea da Espanha, em especial à comunidade autônoma de Valência, tem o estrago de um tsunami fruto de um terremoto em grande escala. Uma daquelas imagens que marcarão uma geração.

A nação ibérica chora seus mortos. As ruas, sempre cheias pela alegria, ganharam um contraste gris de tristeza. A angústia, a descrença no futuro e uma revolta enorme tomaram conta do povo espanhol diante do "novo normal".

Neste momento, surge outro problema que vai além do ambiental: o uso político que isso tomou. Um abalo sísmico ao primeiro-ministro. Foi, sim, uma catástrofe, mas um desastre anunciado. A Espanha é conhecedora de suas fragilidades climáticas. Não há como negar. 

Foi algo sem precedentes, mas já "no radar" e que, infelizmente, a Península Ibérica estará sujeita e precisa se preparar. Para parte da população, faltou atitude do governo, o que se pode constatar na forma violenta com a qual tanto o chefe do governo, Pedro Sánchez, quanto o do governo valenciano foram recebidos no último fim de semana em Paiporta (epicentro da tragédia). Até mesmo os reis sofreram insultos e ataques com lama. O barro seco nos rostos reais não escondeu a tristeza de Felipe VI e sua rainha, que se esforçavam para consolar seu povo. 

Em meio à população, durante a visita dos reis, há indícios de que integrantes de organizações neonazistas estavam infiltrados com o objetivo de causar violência. A polícia está em processo de identificação dos indivíduos por meio das imagens da agressão aos monarcas e dirigentes políticos. A conclusão do caso promete ser rápida.

Santiago Abascal, deputado federal pelo Vox (partido ultradireitista), não tardou a comentar o fato em sua conta no X (antigo Twitter). O deputado do Vox declarou: "Chegou sorrindo, apesar da tragédia. Abandonou a visita a Paiporta. Mas o que precisa abandonar é o governo. Só espero ver esse governo corrupto e criminoso diante da Justiça. Com o povo. Contra o lamaçal de Sánchez."

A oposição pouco fez, além de críticas. A líder do Podemos, Ione Belarra (outro partido contrário ao governo), também utilizou suas redes sociais para atacar o primeiro-ministro: "É normal que as pessoas fiquem irritadas. Pode se organizar visitas oficiais, incluindo a do rei, ao mesmo tempo em que a ajuda e os recursos para resgatar os corpos com humanidade e limpar a água e a lama alagadas, onde as infecções vão proliferar, não chegam. Dá nojo."

Essa oposição extremista que cobra Sánchez é a mesma que defende uma pauta causadora dos efeitos climáticos. Se vale da dor e do ódio da ferida aberta. Um instrumento poderoso e perigoso quando estamos diante de situações limites. É difícil estabelecer resignação ou resiliência durante o caos.

Felizmente, nesse episódio também existe espaço para um sentimento de consternação e empatia, amor ao próximo. Uma irmandade toma conta da Espanha. Milhares de voluntários se mobilizam em todo o país, muitos ficaram igualmente indignados com os ataques aos integrantes da casa real e a politização da tragédia. Entretanto, o uso político tem levantado a ira de outra parte da população. Há questões que ainda pairam sobre a terra de Cervantes. Uma névoa sombria que o primeiro-ministro ainda não soube responder. Ele pareceu cambaleante em meio aos destroços, afogado em tantas perguntas, diante de um desafio que nada se assemelha a moinhos de vento. São monstros reais dos novos tempos.

Até a noite desta segunda-feira, 4 de novembro, o governo de Pedro Sánchez enviou mais de 7.800 homens treinados de diferentes tropas do país para as regiões atingidas. Não é uma logística simples, e existem muitas dificuldades para transitar nas áreas afetadas. Além de limpar a lama, reconstruir as cidades, abraçar e confortar os flagelados e chorar a dor da perda humana, é preciso reagir com atitudes concretas de prevenção e planos de emergência efetivos. Como proteger o país do "novo normal"? Como estabelecer segurança à população? Por que as sirenes tocaram quando já havia centenas de mortos? Essas são perguntas que precisam de soluções concretas.

Se o governo não apresentar resultados imediatos de resguardo à população, o povo espanhol seguirá à mercê do tempo e daqueles que se valem do medo, do ódio e do desespero. Não há espaço para inércia. Pedro Sánchez precisa agir e convencer. Ou a próxima onda que pode atingir a Espanha não será climática; será política e varrerá seu governo, trazendo outra espécie de destruição.

*Comunicadora social, residente em Astúrias (Espanha)

 

postado em 05/11/2024 06:00
x