*Frei David Santos OFM
Observem que a Lei nº 10.639/2003, que inseriu a temática "história e cultura afro-brasileira" na educação brasileira, foi assinada em 2003 e, até hoje, 2024, 21 anos depois, nem 15% das instituições particulares e públicas de ensino fundamental e médio, com seriedade, colocam em prática essa lei. Por quê? Estamos prevendo que muitos alunos de escolas particulares e públicas se sentirão traídos por seus professores. Motivo? Apesar do tema ser obrigatório nas escolas, fruto da lei brasileira, a negligência escolar com esse tema em salas de aulas tem chegado ao absurdo!
A educação brasileira ainda não levou a sério este tema, que é obrigatório. Como explicar essa omissão? É fácil: aponte-nos uma lei que beneficia os bancos, que não tenha sido colocada em prática 100% no dia seguinte? Não achou? Então aponte-me uma lei que beneficia o agronegócio, que não tenha sido colocada em prática 100%, no dia seguinte à sua promulgação? Não achou? Sabe qual é o nome dessa atitude? Chama-se de racismo sistêmico.
É a comprovação de que todo o sistema brasileiro está bichado/contaminado pelo racismo em suas mais diferentes formas de manifestações. A escolha do tema Desafios para a valorização da herança africana no Brasil, para a redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é, sem dúvida, ação de setores do terceiro governo Lula que reconhecem o quanto o Brasil tem sido falho com o povo afro-brasileiro. Tem uma dívida com essa população. Precisa acontecer, já, o reconhecimento da importância da cultura africana na formação da identidade brasileira. A herança africana é rica e diversificada, abrangendo todos os aspectos da vida nacional.
São graves os registros de reclamações de professores da matéria "História da África" que relatam perseguições de diretoras/es, pais de alunos e até mesmo de outros professores, quando trabalham essa temática, especialmente quando chega no capítulo das religiões de matrizes africanas. A Lei n° 10.639 foi, em 2004, estendida para todas as universidades públicas e particulares, pelo Conselho Nacional de Educação.
Apesar de decorridas duas décadas desde sua promulgação, menos de 15% das instituições de ensino, tanto públicas quanto particulares, cumprem essa determinação de forma séria. Essa situação levanta questões sobre a conscientização e o comprometimento das escolas em promover uma educação mais inclusiva e representativa. Além disso, a resistência à cultura africana e os preconceitos raciais ainda são barreiras significativas.
Cresce em todo o sistema educacional situações em que crianças ou pais de crianças negras denunciam escolas por permitirem que o racismo corra solto ou adotam uma abordagem ingênua sobre este tema tão complexo e necessário de ser trabalhado, em vista de se construir um Brasil mais integrado. Muitos educadores e gestores escolares podem não reconhecer a relevância da herança africana ou podem ter uma visão distorcida sobre a contribuição dos afro-brasileiros para a sociedade. Essa falta de entendimento pode levar à omissão de conteúdos importantes, perpetuando estereótipos e desinformação. Outro desafio é a formação dos professores.
Para que a herança africana seja valorizada, é essencial que os educadores estejam preparados e motivados a ensinar sobre esse tema. Programas de formação continuada e capacitação são fundamentais para que os professores possam abordar a cultura africana de maneira crítica e contextualizada, promovendo um ambiente de aprendizado que respeite e celebre a diversidade. A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi), órgão do MEC que trabalha essa temática, está com excelentes propostas para impulsionar essa lei, ainda neste ano e em 2025.
Nesses 21 anos da lei em vigência no Brasil, está mais do que provado que as instituições educacionais, públicas e privadas, são racistas. Diante dessa constatação, a Educafro está selecionando, algumas cidades do Brasil, para realizar atos públicos. Vamos escolher, em cidades diferentes, uma escola pública e outra particular de ensino médio e, um grupo de 10 ou mais pessoas afro-brasileiras, vamos nos acorrentar nos portões principais dessas escolas, ainda de madrugada, de modo que ninguém poderá entrar naquelas escolas, até que a direção reconheça o seu erro e assine um termo de compromisso de que vai, em 30 dias, colocar a lei em prática em sua integridade.
O mesmo faremos com uma universidade pública e outra particular. Isso só chegou a esse descalabro porque os Ministérios Públicos de cada Estado e da União, guardiães da leu, foram, por 21 anos, omissos ou superficiais na cobrança da aplicação desta Lei nº 10.639/23 em todas as instituições de ensino. Em suma, a valorização da herança africana no Brasil é um desafio que requer um esforço conjunto de escolas, educadores, alunos e sociedade. Os movimentos sociais prometem muito, a partir deste mês de novembro que se inicia, e vai se intensificar ao longo de 2025.
*Diretor Executivo na EDUCAFRO