No jornalismo, temos "pautas-looping" — aquelas que se repetem infinitamente ao longo dos anos. Todo repórter já cobriu baile de carnaval, escreveu sobre os cuidados na época da seca (e da chuva), fez matéria sobre troca de presentes nas lojas depois do Natal; contou como foi o desfile do 7 de setembro, a encenação da Semana Santa, a volta às aulas, o dia de eleições…
Há 15 anos, desde que comecei a fazer a cobertura de ciência e saúde no Correio, estou presa no looping climático. Mês a mês, o mundo bate recordes de calor. Sucessivamente, os relatórios de monitoramento das emissões de gases de efeito estufa mostram aumentos expressivos (a exceção foi na pandemia, quando a quarentena tirou veículos das ruas e paralisou a atividade industrial). Os incêndios de verão na Europa são sempre "o maior da história". Assim como o número de gente que morre de calor. Ou os hectares da Amazônia e do Pantanal destruídos pelo fogo.
O português António Guterres, que assumiu, em 2017, a chefia da Organização das Nações Unidas, tem na ponta da língua o discurso que faz a cada conferência ambiental e climática, ou toda vez em que organismos da ONU lançam um relatório. Fervimento global, hecatombe, apocalipse são algumas das expressões usadas por ele. E o pior é que não são hipérboles. As duras "palavras-looping" de Guterres apoiam-se em dados científicos. Como o de que a Terra chegará ao fim do século 3 °C mais quente do que em meados do século 19 — para comparação, de lá para cá, o aumento foi de 1,1 °C, e já estamos sofrendo terrivelmente as consequências.
As conferências das partes da ONU, as COPs, são oportunidades de mudar a direção do looping. Essas reuniões, que podem ser bianuais, como a da biodiversidade, que encerra hoje na Colômbia, ou anuais, caso da do clima, que começa dia 11, reúnem os Estados-membros das Nações Unidas para encontrar soluções globais para questões que envolvem o mundo inteiro.
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Mas aqui cabe novamente a expressão looping. A cada edição, vemos discursos pedindo aumento no nível de ambição de metas, medidas de adaptação e mitigação, financiamento para nações mais pobres, transferência de tecnologia, sem que nada disso seja feito. Claro, há avanços, como a transição energética — em 2023, o mundo acrescentou 50% mais capacidades de energias renováveis. O quadro geral, porém, é desolador.
As mudanças climáticas são causadas por gases de efeito estufa (GEE). Como nas estufas de plantas, criadas para manter a temperatura alta no interior dessas estruturas, o fenômeno consiste na formação de uma "capa" na atmosfera, que impede a dissipação do calor. Quanto mais emissão de GEE, mais forte o efeito.
No passado do planeta, esses gases mudaram totalmente a paisagem, mas foram causados por fenômenos naturais, como vulcanismo. Não existe consenso sobre o que causou o fim da última Era do Gelo, há 11 mil anos. Mas estudos mostram que 80% da megafauna sul-americana foi extinta, devido ao aquecimento da atmosfera e dos oceanos.
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Esses eventos costumavam acontecer em intervalos de milhares, quando não milhões, de anos. Desde que a humanidade começou a queimar combustível fóssil ao nível industrial, em meados do século 19, porém, o aquecimento antropogênico — causado pelo Homo sapiens — reduziu esse tempo a um punhado de décadas. Enquanto a principal causa das mudanças climáticas for enfrentada com retórica, essa será uma tendência irreversível. Infelizmente, não há indícios de quando — e se — saímos desse looping.