JORGE SANTANA — Professor e doutor em história no Instituto Federal do Paraná Campo Largo
A tarde daquela terça-feira (22/10/2024) terminou em festa para os amantes do futebol no Brasil. A partida pela Liga dos Campeões acabava de terminar, o Real Madrid triunfava sobre o Borussia Dortmund pelo placar de 5 a 2. E nada mais nada menos do que três gols do Vini Jr. A festa dos tupiniquins era menos pela vitória da equipe merengue de Madri, e mais pela atuação impecável e o hat-trick (3 gols na partida) do atacante brasileiro. Aquele baile configurava o atestado lavrado em cartório de que o menino de São Gonçalo levaria o prêmio de melhor jogador do mundo na semana seguinte, da revista France Football. Mas o prêmio não veio, ficou nas mãos do volante Rodri, do Manchester City.
Os prêmios são sempre os prêmios, nem sempre premiam os melhores. A tristeza é grande, pois quem acompanha o futebol sabe o quanto Vinicius Junior tem jogado bola e bota bola nisso. Mas ele não se contenta em brilhar apenas dentro das quatro linhas, como também fora delas. Nos últimos três anos, o camisa 7 da Seleção Brasileira tem sido constantemente vítima de insultos racistas na Espanha. Desde gritos de macaco nos estádios, passando por insultos discriminatórios de jornalistas esportivos hispânicos e até um boneco alusivo ao jogador foi enforcado por torcedores em uma avenida de Madri. Essa encenação racista remete aos bárbaros assassinatos contra os negros, promovidos por supremacistas brancos da Ku Klux Klan, na primeira metade do século 20, no Sul dos Estados Unidos.
Em meio a toda essa violência racial, Vinicius não se calou, pelo contrário tornou-se uma voz potente na luta contra o racismo no futebol, nos esportes e em todos os espaços. O jovem de apenas 24 anos, denunciou a leniência da La Liga (Campeonato espanhol de futebol), a conveniência dos dirigentes de futebol, a permissividade de parte da imprensa espanhola e ausência de punição para os criminosos racistas. E, como acontece com todos que se levantam contra as barbáries, recebeu muitas críticas, mesmo lutando por uma causa tão justa.
Não podemos afirmar categoricamente que a luta de Vini Jr contra a discriminação racial foi o motivo de não ser premiado com a Bola de Ouro, mas as suspeitas são grandes. A história nos ensina que muitos atletas responsáveis por lutas justas acabaram punidos ou censurados. O boxeador americano Muhammad Ali era o melhor do mundo na década de 1960, mas também levantava sua voz contra a segregação racial em seu país. Ali se recusou a lutar no Exército do seu país na Guerra do Vietnã (1959-1976), afirmando: "Nenhum vietcongue me chamou de crioulo, porque eu lutaria contra ele?". O resultado de tal audácia foi a prisão e a perda de todos os seus títulos mundiais.
Na década de 1980, até os líderes mais reacionários do mundo não ousavam defender o Apartheid publicamente, o regime de segregação racial da África do Sul. O mundo inteiro apoiava a luta contra o racismo liderada por Nelson Mandela. Apesar desse contexto favorável a luta dos negros sul-africanos, a France Football proibiu o jogador holandês Ruud Gullit, premiado como melhor do mundo em 1987, de fazer um discurso em homenagem ao líder negro sul-africano. Mas Guillit, um jogador negro não deixou barato, distribuiu para todos os convidados o seu discurso em defesa da luta pelo fim do Apartheid e ao receber a Bola de Ouro agradeceu a Madiba, outro nome Mandela).
A história nos ensina que atletas como Muhammad Ali, Gullit e Vini Jr podem não ser punidos em premiações, censurados em cerimônias ou até presos, como foi o boxeador norte-americano. Nenhuma dessas tentativas de cercear lutas justas apagou e muito menos apagará esses atletas insubmissos. A história sempre premiará seus nomes pelas conquistas esportivas, mas, sobretudo pelas lutas que travaram em defesa de causas justas.