Domingos de Jesus Rodrigues — Professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e integrante do Centro de Conhecimento em Biodiversidade
Não olhe para cima! Assim nos diz o recente filme Don't look up, dirigido pelo Adam McKay, sobre o negacionismo diante da catástrofe iminente. No Brasil, poderíamos acrescentar também não olhe para o agravamento das secas no Pantanal, para as inundações no Rio Grande do Sul, para a desesperadora situação dos outrora pujantes rios amazônicos. Ignorem o perigo de novos surtos de zoonoses, como a hantavirose, que matou várias pessoas inclusive no estado de São Paulo. Ignorem a desertificação na Caatinga e a destruição do Cerrado, nosso berço das águas. Esqueçam as nossas praias e cidades costeiras que estão desaparecendo com o avanço do mar. Finjam que não houve queimadas desenfreadas pelo Brasil este ano, e que elas não afetaram a qualidade do ar e de vida de grande parte da população do país. Nada disso está acontecendo! Foi essa mensagem surreal e irresponsável, digna do filme homônimo de Hollywood, que passou, neste mês, o governador de São Paulo ao vetar um projeto aprovado pela Assembleia Legislativa do estado que previa a inclusão da educação climática nas escolas públicas.
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Infelizmente, e fugindo do que se espera de um mandatário do Estado brasileiro com o maior Produto Interno Bruto (PIB), mais industrializado e com o maior número de cientistas, o governador de São Paulo errou. E errou feio! Conforme os cientistas vêm alertando ao longo das últimas quatro décadas, os desastres naturais no Brasil e no mundo, como enchentes, secas severas e queimadas, são cada vez mais frequentes e intensos, resultado direto das mudanças climáticas. Essas mudanças causam perdas de vidas e prejuízos econômicos gigantescos, fruto do uso equivocado da terra, que aumenta a vulnerabilidade ambiental a tais eventos extremos. As previsões atuais indicam que os eventos extremos irão se tornar "o novo normal", uma realidade imposta pelas mudanças climáticas. Mesmo diante das evidências científicas claras e das catástrofes ambientais cada vez mais frequentes, muitos políticos continuam a ignorar ou mesmo negar o problema. Esse negacionismo sabota a capacidade do país de preparar as futuras gerações para enfrentar esses desafios, além de perpetuar e ampliar a maior crise ambiental e social que nosso país e planeta vivenciou nos tempos históricos.
O veto ao Projeto de Lei nº 80, de 2023, revela um total desprezo pela ciência e pela educação, uma falta de compromisso com a formação crítica dos jovens e um descaso preocupante com o futuro de São Paulo, do país e do próprio planeta. Ao impedir a inclusão formal de temas fundamentais, como o aquecimento global e suas consequências, no currículo das escolas de São Paulo, limita-se o desenvolvimento de uma cidadania mais consciente e engajada. Sem compreender a existência e a raiz desses problemas, a próxima geração não é estimulada a pensar em soluções criativas, e muito menos repensar suas atitudes e comportamento como cidadãos.
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Esse tipo de postura reflete uma visão limitada, anacrônica e perigosa. Enquanto outros países avançam na conscientização ambiental com ações concretas e discussões nacionais, o Brasil se vê preso a debates retrógrados, ignorando e negando o que está à vista de todos. É um caminho que não só agrava as consequências de desastres futuros, mas também deixará as gerações mais jovens ainda mais vulneráveis.
Será que estamos prontos para assumir o protagonismo nas discussões sobre mudanças climáticas e transição energética? Será que esse tipo de atitude não atrapalha nossa entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)? Está na hora de deixar de lado diferenças mundanas oriundas de cálculos políticos mesquinhos e míopes. É preciso levantar a cabeça e olhar para o futuro. Chega de olhar para baixo e ignorar o óbvio!