ARTIGO

A esquerda no seu labirinto

A esquerda não encontra espaço para operar seu modelo sindicalista e se transforma em agente conservador

Por André Gustavo Stumpf, jornalista — O professor Cristovam Buarque vinha ensaiando a crítica maior que apareceu, por completo, no seu artigo De farol a retrovisor, publicado no Correio Braziliense no último dia 23. O ilustre professor, ex-governador do DF, faz profunda crítica às esquerdas de maneira geral e ao PT, em particular. Ele que foi ministro da Educação do presidente Lula, duas vezes senador, era um petista raiz até votar a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Jamais foi perdoado. Independentemente de questões pessoais, a crítica à esquerda é uma realidade que se impõe pela verdade dos fatos.

Os jornais descobriram, nos últimos dias, que o Brasil tem mais de 100 empresas públicas. Todas penduradas no Orçamento da República. O prejuízo que juntas vão apresentar neste ano é da ordem de R$ 3,3 bilhões. Elas estão na área de informática, no agronegócio, na área militar, entre outros setores. O maior prejuízo é da Empresa Gerencial de Projetos Navais (Emgepron), comandada pelo pessoal da Marinha de Guerra. A Empresa de Correios e Telégrafos já foi superavitária. Agora, opera no prejuízo. Emgea, empresa de planejamento financeiro; Infraero, que foi substituída pela NAV, que agora criou a Alada para administrar a base aeroespacial de Alcântara, no Maranhão, que nunca lançou nem balão de São João. Ainda há a Dataprev que cuida das pessoas que precisam da Previdência Social e permanecem naquela fila de dois anos de espera.

Isso é o retrato da administração petista, que precisa de empresas estatais para colocar seus filiados, tenham eles ou não competência para dirigir as empresas. O resultado é desastroso. Deficits monumentais quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, do PT, trabalha para aumentar a arrecadação e reduzir os gastos de governo. Quem mais critica o ministro é a alta direção do PT contrária a qualquer tipo de redução de gastos. A porção mais desenvolvida no Brasil, que depende menos do governo, percebe essa situação. O agronegócio, por exemplo, trabalha com padrões equivalentes às melhores práticas internacionais. Da porteira para dentro, tudo corre muito bem e atende às rigorosas exigências internacionais. O país é um dos maiores exportadores de alimentos para o mundo. No entanto, as estradas são esburacadas, as ferrovias não chegam e os portos funcionam devagar porque estão aprisionados por questões políticas. São dois países que coabitam o mesmo espaço.

Um cálculo simples indica que a venda de boa parte das empresas estatais significaria acabar com o prejuízo e fazer algum dinheiro com a venda dos ativos. Um bom exemplo é a Embraer, criada pelos militares da Aeronáutica para fazer um avião de integração nacional, o Bandeirante. Mas, a partir desse estágio, o grupo não tinha a expertise necessária para entrar no mercado internacional de produção e venda de aviões. A empresa foi privatizada e, hoje, é a terceira maior do mundo. Perde para a Boeing, que está em dificuldades, e para o consórcio europeu Airbus. Crescimento espetacular e uma presença constante no mercado internacional em todo o planeta. É uma lição óbvia do melhor caminho para as empresas públicas. Outro belo exemplo de sucesso é o da antiga Vale do Rio Doce, hoje Vale, que foi privatizada e está entre as maiores do mundo. O presidente Lula tentou colocar pessoa de sua confiança na diretoria da empresa. Não conseguiu. 

Isso ocorre no território da economia tradicional. Hoje, a nova economia, que vai dominando o atual cenário, trabalha com outras coordenadas. As pessoas trabalham em casa, embora estejam operando no exterior. Recebem em moeda forte e não querem saber de sindicato regulando aquela atividade. A inteligência artificial modifica as relações. Pessoas trabalham aqui em empresas estrangeiras, e estrangeiros que trabalham fora do país em empresas nacionais. Há estudantes fazendo pós-graduação em universidades europeias sem sair do país. Assistem às aulas pelo computador. Cada vez mais, a vida transcorre pelo computador e pelo telefone celular. O atendimento pessoal passou a ser algo secundário. Nesse cenário, a esquerda perdeu sua oportunidade. Ela não encontra espaço para operar seu modelo sindicalista nesse ambiente e se transforma em agente conservador.

Esse fenômeno se apresenta no resultado das eleições municipais. O Partido dos Trabalhadores perdeu até mesmo nos seus redutos tradicionais em torno da cidade de São Paulo. Uma derrota significativa, que vai dificultar a possível candidatura de Lula a seu quarto mandato, quando terá 81 anos. Antes disso, os últimos dois anos deste atual mandato serão especialmente difíceis, porque seu partido é minoritário no Congresso e os partidos de oposição vão dominar a maioria dos 5.500 municípios brasileiros. A esquerda precisa abrir os olhos de ver. O mundo mudou muito desde que a União Soviética deixou de existir. E o muro de Berlim caiu.

 


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