OPINIÃO

Visão do Correio: Vladimir Carvalho e a posteridade

O Governo do Distrito Federal decretou luto de três dias pela morte de Vladimir Carvalho. É preciso, contudo, preservar seu legado para a posteridade

O cineasta Vladimir Carvalho enalteceu Brasília até o fim da vida. A maior homenagem que a capital federal poderia prestar-lhe, pois, é preservar a memória, a obra e o olhar que cativou gerações durante décadas. Gigante da arte brasileira, Vladimir Carvalho entra para o panteão dos personagens históricos de Brasília, ao lado de Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Burle Marx, Marianne Peretti e tantos outros.

Paraibano de Itabaiana, Carvalho era um desbravador de imagens. É conhecida a história, por exemplo, da surpresa que o jovem causou ao seu colega no curso de filosofia na Universidade Federal da Bahia — ninguém menos que Caetano Veloso — ao mostrar-lhe uma escultura em madeira, feita de sua lavra. Naquele início dos anos 1960, o amor pelo cinema e a sensibilidade para as questões sociais eram pontos em comum entre aqueles dois brasileiros ousados.

"Há pessoas que parecem engrandecer-se por aderirem à luta pela justiça social. Vladimir é o tipo do sujeito que engrandece esses ideais, com sua adesão. E isso pode-se sentir em sua convivência, em sua conversa e em seus filmes", comentou Caetano sobre o documentarista, ainda nos anos 1970. 

A realidade nordestina foi matéria-prima para o olhar de Vladimir Carvalho — autor do clássico O País de São Saruê —, mas Brasília serviu como plataforma para disseminar sua arte cinematográfica. A cidade erguida por iniciativa de Juscelino Kubitschek o motivou a produzir outra obra fundamental, Conterrâneos velho de guerra. O pioneirismo de Vladimir Carvalho também se fez presente na Universidade de Brasília (UnB), onde foi um dos fundadores do curso de cinema e tornou-se professor emérito. Centro das decisões políticas do país, a cidade ícone do modernismo abrigou um militante do Cinema Novo. Pela lente de Vladimir Carvalho, era possível ver o Brasil real — o Brasil dos candangos, dos nordestinos, dos negros, dos perseguidos políticos. 

Referência e mentor de uma geração de cineastas, Vladimir Carvalho guardava um santuário particular. Na Avenida W3 Sul, uma das vias mais tradicionais de Brasília, mantinha a Fundação Cine Memória, um acervo preciosíssimo sobre a produção audiovisual brasileira.  Em uma coleção de mais de 5 mil itens, há jornais, revistas, fotografias, filmes, máquinas, câmeras e, até mesmo, a moviola usada por Glauber Rocha em Terra em transe.

Poucas semanas antes de morrer, Vladimir Carvalho estava entusiasmado com a possibilidade de se dar uma destinação adequada ao tesouro da Fundação Cine Memória. As tratativas envolvem o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Banco do Brasil, entre outras instituições. Infelizmente, o documentarista partiu antes de ver esse sonho acalentado há décadas tornar-se realidade.

O Governo do Distrito Federal decretou luto de três dias pela morte de Vladimir Carvalho. É preciso, contudo, preservar seu legado para a posteridade. Com uma biografia que se confunde com a trajetória de Brasília, Vladimir Carvalho entra para a história como um brasileiro que soube retratar, como poucos, o país de seu tempo e o futuro que nos aguarda.

 


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