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Inovação em saúde exige investimentos, política pública e apetite ao risco

Projetos inovadores demandam apoios firmes de financiamentos, mediante linhas do governo federal, na quais estão os recursos mais vultosos e os instrumentos mais potentes, incluindo Finep e BNDES

MARIO SANTOS MOREIRA — Presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)
PEDRO R. BARBOSA — Diretor-presidente do Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP)

A balança comercial do setor saúde apresenta deficits anuais exorbitantes, alcançando patamares superiores a US$ 20 bilhões, incluindo medicamentos, equipamentos, materiais e insumos em geral. Há setores, como insumos farmacêuticos ativos  (IFA) para medicamentos, onde a dependência externa chega a 90%.

Se a inovação fica restrita ao exterior, a indústria nacional segue pouco competitiva, restando ao país ser um grande importador. Ao mesmo tempo, o crescimento populacional, o envelhecimento da população e os novos desafios sanitários e epidemiológicos pressionam por mais demanda e acesso a serviços de saúde, em geral mais complexos, no SUS e na saúde suplementar.

A ministra da Saúde, Nísia Trindade, lançou uma estratégia para buscar reverter esse quadro e desenvolver o complexo industrial da saúde com um desafio importante: alcançar 70% de produção nacional de tudo que é consumido no país. Dois programas contribuem para  que essa meta seja alcançada. Um primeiro, agora atualizado e mais versátil, as Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), vinculando possibilidades para a indústria nacional incorporar produtos oriundos de empresas internacionais, com transferência de tecnologias, produção nacional e garantia de compra pelo SUS. O segundo, uma grande novidade, o Programa para Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL), visando efetiva inovação interna ao país, também com garantias de compras pelo SUS, uma vez os produtos desenvolvidos e registrados na Anvisa.

Os setores de serviços e industrial da saúde, as instituições de ciência e tecnologia têm importante papel a cumprir para que essa política se torne realidade, assumindo a inovação como estratégia estruturante, para o médio e o longo prazos.

A Fiocruz e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), como várias indústrias públicas e privadas, e centros de pesquisa, assumem o enorme potencial de inovação que o país pode ter na indústria de biotecnologia para a saúde. As estratégias de inovação devem incluir cooperações tecnológicas, mesmo entre competidores, nacionais e internacionais, praticando o conceito ampliado de inovação aberta, de co-opetition e valorizando ativos complementares. Precisamos de mais biotechs, de empresas de base tecnológica, transformando conhecimento em soluções, nacionalizando produtos e insumos biotecnológicos, como já realidade no IBMP.

Outros setores produtivos em saúde, como equipamentos, digitalização, incluindo IA, materiais médico-cirúrgicos, igualmente devem ser objeto de desenvolvimento, estando cobertos por políticas em implementação, conforme as citadas acima, mas não apenas, guiadas em especial pelo Ministério da Saúde.

Não é tarefa trivial e nem de curto prazo. O desenvolvimento de produtos inovadores, destacando a biotecnologia, não é apenas dependente de pesquisas básicas, formação e conhecimento profissional, também exigem instalações, equipamentos de elevada complexidade, ensaios clínicos, o que impõe o alinhamento de ativos complementares e diferentes competências.

A literatura sobre inovação, como as iniciativas de sucesso mundo afora, exige gestão sistêmica da inovação, articulando a demanda, em especial do SUS, capacidades tecnológicas e industriais, política de financiamento e poder de compra pelo Estado. Alcançar biofármacos inovadores nacionais exige visão mais coordenada entre todos os atores. Um teste diagnóstico molecular, como no caso da Covid, é desenvolvido em poucos meses e custa entre R$1 ou 2 milhões, o desenvolvimento de um biofármaco ou uma vacina, pode custar algumas centenas de milhões de dólares.

As indústrias de base tecnológica precisam aumentar o apetite para a inovação, o que implica riscos, mitigados por estratégias e ações compartilhadas entre os agentes. Indústrias públicas e privadas precisam forjar alianças, fortalecendo a competitividade nacional. O setor de ciência e tecnologia, precisa ser mobilizado, demandado e associado ao setor industrial e de serviços de saúde. Imperiosa a internacionalização de atividades de inovação, também levando projetos para ambientes com densidade, sobretudo tecnológica e cultura pró inovação mais avançada.

Projetos inovadores demandam apoios firmes de financiamentos, mediante linhas do governo federal, na quais  estão os recursos mais vultosos e os instrumentos mais potentes, incluindo Finep e BNDES, mas também nas fundações de amparo à pesquisa e à tecnologia nos estados. O recurso privado é igualmente fundamental. De novo, há riscos, mas o prêmio é compensador, numa perspectiva de desenvolvimento nacional virtuosa. 

 


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