Opinião

Pressão leva Comissão Europeia a adiar regulamentação sobre desmatamento

O processo de implementação da EUDR não pode desconsiderar os atores que serão afetados direta ou indiretamente por ela, ensejando um engajamento multisetorial

Paula Wojcikiewicz AlmeidaProfessora da FGV Direito Rio, coordenadora do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) e do Centro de Excelência Jean Monnet EU-South-America Global Challenges; Gabriel RalilePesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Global (CPDG) da FGV Direito Rio

Originalmente prevista para ter seus efeitos em vigor em dezembro de 2024, a Regulamentação sobre Desmatamento da União Europeia (em inglês, European Deforestation-Free Regulation — EUDR) finalmente dá sinais de que será adiada. Motivo de preocupação entre governos, produtores e comerciantes, a norma visa proibir a entrada e a circulação de produtos de sete commodities (soja, gado, óleo de palma, madeira, cacau, café e borracha natural) no mercado da União Europeia (UE) se originados de regiões desmatadas. Contudo, desafios e incertezas permeiam sua implementação, o que ensejou diversas reações globais em busca de soluções para esses problemas. 

Um dos principais desafios da EUDR é seu curto período de transição e a falta de vários documentos de apoio, como diretrizes para sua implementação e uma metodologia para o sistema de classificação de risco de países previsto na norma (benchmarking). Após diversas pressões internacionais para adiar a entrada em vigor da EUDR, inclusive por parte do Brasil, em 1º de outubro de 2024, a Comissão Europeia propôs um período adicional de transição de 12 meses, o que ainda deve ser avaliado pelo Parlamento e pelo Conselho Europeu.

Na mesma oportunidade, a União Europeia (UE) emitiu uma série de documentos de apoio até então pendentes, sendo os principais uma primeira versão de diretrizes para implementação da norma; a atualização, após quase um ano, do documento de Perguntas Frequentes; um guia de usuário para o sistema eletrônico, que congregará informações sobre operações no âmbito da EUDR; e um documento norteador de estrutura estratégica para a cooperação internacional.

Destaque vai para o tão aguardado documento de diretrizes, uma vez que diversas dúvidas pairam quanto ao tema. Em 11 capítulos, tópicos abordados incluem definições legais, cronograma, procedimentos de due diligence, cadeia de suprimentos, legalidade, produtos, certificações e uso agrícola. O documento também inclui cenários que visam ilustrar, de forma mais palpável, como a norma será aplicada na prática. De todo modo, ditas diretrizes não conseguem abarcar todas as atuais dúvidas de operadores e comerciantes, estando outro grande problema na ainda demora da implementação de diversos mecanismos previstos na EUDR.

Outras novidades incluem a criação de páginas específicas para dirimir as principais dúvidas de pequenos produtores e para "desmitificar" algumas das principais preocupações em relação à norma. Quanto ao segundo, ressalta-se que diversos apontamentos ainda não estão pacificados, tampouco foram devidamente endereçados pela UE. É o caso, por exemplo, da afirmação de que não há incongruências entre a EUDR e as normas de comércio internacional, o que tem sido amplamente contestado nos foros internacionais. Ademais, restam pendentes a metodologia para o benchmarking, que deve ficar pronta até junho de 2025, e estudo para extensão do escopo da EUDR para outros tipos de terrenos arborizados, sem atualizações até então. 

A demora e a falta de transparência quanto a esses diversos documentos e instrumentos, somadas a um curto período de transição, criam maior insegurança entre os atores envolvidos. No que pese o válido objetivo de promover a preservação ambiental, o processo de implementação da EUDR não pode desconsiderar os atores que serão afetados direta ou indiretamente por ela, ensejando um engajamento multisetorial, seja na União Europeia, seja com a comunidade internacional.

Ao atender às demandas internacionais, a UE deu um passo para uma implementação mais harmoniosa da EUDR, que garanta que os stakeholders estejam devidamente preparados para a implementação da regulamentação. Contudo, desafios ainda persistem, inclusive dada a falta de maiores direcionamentos quanto à norma e disponibilização dos instrumentos e documentos de apoio à sua implementação. Isso requer uma manutenção de diálogos com a comunidade internacional para que a EUDR entre em vigor de forma não contenciosa e em consonância com seus objetivos.

 

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