Andréa Werner — Deputada estadual (PSB-SP), presidente da Comissão das Pessoas com Deficiência da Alesp e autista
Como é possível conciliar a criação de procedimentos, padrões de atendimento e equipamentos públicos que ofereçam serviços consistentes a toda uma população com as perspectivas mais modernas de que o paciente deve estar no centro de qualquer consideração sobre um tratamento ou atendimento? Isso é especialmente importante quando pensamos em condições que cobrem um espectro amplo de características. Pessoas podem responder de forma drasticamente diferente a um medicamento, e o mesmo vale para abordagens terapêuticas. Se não considerarmos quem é aquela pessoa, quais são suas necessidades e seu histórico, não seremos capazes de indicar uma abordagem assertiva.
No autismo, isso fica claro. Em parte porque o entendimento sobre a condição e sobre abordagens terapêuticas evoluiu muito nos últimos 10 anos, mas também porque ele se manifesta de formas diferentes de uma pessoa para outra. Eu sou uma mulher de 48 anos, formada em jornalismo, com altas habilidades e superdotação. Meu filho é um rapaz de 16 anos, em alfabetização, não oralizado, com deficiência intelectual. Não existe uma abordagem que atenda a nós dois.
Por isso, é preocupante a pressão, desde janeiro, do setor de saúde suplementar para que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) estabeleça parâmetros ao tratamento de autismo. Estabelecer guias abrangentes para uma condição ultraespecífica pode privar autistas de suportes necessários e impor aos que não precisam abordagens que podem ser desnecessárias. Vale destacar que, em 18 meses de mandato na Assembleia Legislativa de São Paulo, recebi 1.225 denúncias sobre abusos cometidos por planos de saúde. Elas já embasaram seis inquéritos instaurados pelo Ministério Público.
Isso vai ao encontro de outro pedido recorrente do setor de saúde suplementar pelo fortalecimento dos Núcleos de Apoio ao Judiciário (Natjus) como uma forma de combater a "indústria do autismo", supostamente usada para cometer fraudes com receitas de terapia exageradas. O Natjus é uma plataforma pela qual especialistas apresentam opiniões técnicas sobre casos que estão sub judice para auxiliar juízes em suas decisões. Mas esse serviço tem problemas.
Para começar, não há informações sobre quem é o autor de um parecer. Em um julgamento sobre autismo, a opinião técnica pode vir de um oftalmologista, por exemplo. Além disso, não há qualquer contato entre o indivíduo a quem uma abordagem foi receitada e os especialistas. Alguns laudos são, inclusive, contraditórios, como a Nota Técnica 68.925, que definiu que uma criança não deveria receber intervenção ABA ao mesmo tempo em que deixou explícito que ela tem evidência científica. Esse documento viola a Lei nº 14.454, que é clara ao ditar que, se uma terapia tem indicação médica e evidência científica, o plano deverá cobrir seus custos. Ao mesmo tempo, essa mesma lei protege os planos de saúde quando há prescrição de terapias sem evidência científica mesmo se houver judicialização.
Destaco ainda o perigo em associar a chamada "indústria do autismo" a fraudes e casos de abuso. Aqui, falamos de um cenário complexo e multifatorial, que só será solucionado com uma abordagem de muitas frentes. Começamos pela luta pela regulamentação das profissões e terapias relacionadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), estabelecendo critérios claros de como deve ser a formação, com entidades de classe especializadas que possam orientar sobre quais as formas corretas de aplicar as abordagens.
Sobre as fraudes, esse papel recai sobre as operadoras de saúde — como apontado por Ana Carolina Navarrete, do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), em entrevista, em janeiro, à Folha de São Paulo: "Existem empresas que, de má-fé, praticam fraudes e que podem enganar e envolver o consumidor nesse processo, mas nunca o consumidor é culpado ou deve ser responsabilizado". O dever de criar ferramentas de gestão e procedimentos de compliance é das operadoras e não pode ser usado como justificativa para negação de terapias.
Ainda é necessário avaliar o uso anedótico de receitas que superam as 40 horas por semana. Dados da ANS mostram que 95% dos beneficiários fazem até três consultas semanais, considerando fonoaudiologia, psicologia e fisioterapia. A alegação de um volume alarmante de indivíduos que frequentam clínicas por 40 horas semanais, nesse contexto, é não representativo e não pode pautar o debate.
Não podemos questionar que há a necessidade de mais regulamentação sobre serviços da saúde suplementar e medidas para garantir tratamentos de qualidade a pessoas autistas. Mas se esse debate for pautado pela perspectiva de pressuposição de má-fé do beneficiário, a lógica central de mutualismo que esse setor tem defendido em suas campanhas ficará em xeque. O que as famílias buscam é acesso à saúde — nem mais, nem menos