José Natal — Jornalista
Em setembro de 1993, percorrendo a Amazônia em campanha presidencial para as eleições de 1994, o agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva disparou para todo o mundo ver e ouvir que havia no Congresso Nacional "uma minoria de parlamentares que se preocupa e trabalha pelo país, mas há uma maioria de uns 300 picaretas que defende apenas seus próprios interesses". A fala do candidato Lula da Silva foi criticada de forma pesada e agitou o meio político na época. O deputado Inocêncio de Oliveira (PFL-PE), que presidia a Casa, exigiu medidas severas contra o petista. Rolou até insinuações de que a declaração de Lula tinha um viés contra a democracia, visando desprestigiar a Câmara. Lula ratificou a declaração no dia seguinte, citando que, para identificar os picaretas, bastava "acompanhar as votações do Congresso, como a que decidiu sobre a duração do mandato do ex-presidente José Sarney em 1988".
Os roqueiros da banda Paralamas do Sucesso surfaram na onda da crítica de Lula e, já no ano seguinte, passaram a tocar a música Luiz Inácio e os 300 picaretas. Foi um agito. Fernando Gabeira, que ficou 16 anos na Câmara, também cutucou o assunto e, em um artigo do Jornal O Estado de São Paulo, citou que a estimativa de Lula tinha lá suas razões, ironizando que esse número poderia girar em torno de 312 a 417 parlamentares. O clima esquentou, mas isso foi há 31 anos. Antes disso e depois disso, esse embate entre Legislativo, Executivo e Judiciário alterna dosagem a cada ano que passa. É o Legislativo que se queixa da intromissão do governo em assuntos do parlamento, ou então o Judiciário investe em setores que os políticos rejeitam.
Isso é fato, não se trata de especulação. A batalha de gabinetes e tribunas agora ganha corpo entre congressistas e os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Diga-se de passagem, mais uma disputa de egos por parte de alguns políticos, constantemente na defensiva e em muitos casos buscando argumentos que os livre da mão pesada
da lei, que deles tira o sono e votos. Guardião da Constituição e vigilante, o Supremo, desde que existe, fez e continuará fazendo o seu papel, mesmo que algumas decisões incomodem Marias e Josés. O momento atual dessa polêmica que nunca termina se fortalece agora, quando as chamadas decisões monocráticas passam a acontecer com uma frequência maior.
Acostumado aos debates e com liberdade de opinião explícita, o parlamento manifesta seu descontentamento e escolhe um alvo para desaguar suas mágoas. Esse alvo é o ministro Alexandre de Moraes, mesmo não sendo ele o único a adotar medidas que desagradam aos parlamentares. Esquecem os políticos de que a comunidade também deposita neles votos de esperança e, quase sempre, busca amparo para algumas importantes decisões que balizam comportamentos, atualizam leis e costumes e os elege para que mudem sua vida. Ou que, pelo menos, sinalizem gestos nessa direção.
Alguns radicais, impulsionados por líderes pouco preocupados com as consequências que afetam o meio social e a vida rotineira do país, fazem uma fuzarca particular e, mesmo sabendo que serão derrotados, insistem em alterar a regra do jogo. Mesmo sem o apoio popular e contrariando a lógica política, movimentos isolados esbravejam um pedido de impeachment do presidente do STF, como se fosse um manifesto de torcidas em estádios de futebol. Ora, senhores, mesmo que muitos ainda não acreditem, nossa bandeira da república de bananas há muito que foi rasgada.
Com o habitual bom senso de sempre e amparado pela base consciente do Senado Federal, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, afirma respeitar os apelos dos parlamentares, mas a hora é de rejeitar casuísmos e lembrar a todos que o país carece de outras providências. Questionar a seriedade e as ações do Supremo, com certeza, não é uma delas. O Brasil tem um histórico não muito positivo quando o assunto é relacionado à classe política. Claro que o erro de alguns, muitas vezes, prejudica outros que nada fizeram de errado. Essa manifestação agressiva, e muitas vezes exagerada, do meio político, escolhendo o Supremo como algoz, pode se virar contra o próprio Congresso. Aqui, vale a máxima de que nada há a temer quando nada de errado foi cometido. Cada um que faça sua parte, e que faça bem-feita. Quem não deve não treme.
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