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Artigo: Esperar e rezar

Quando for conhecido o resultado da eleição norte-americana um novo ciclo político e econômico vai se iniciar no mundo. Os muros custam a cair. Mas terminam por desabar. A questão é para que lado este cenário vai se desmontar

André Gustavo Stumpf*

A eleição nos Estados Unidos começou nos 47 estados que permitem o voto pelo correio. Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos, que recentemente completou 100 anos, fez sua escolha e não pediu segredo: votou em Kamala Harris, democrata, como ele. A questão dos que se preocupam com a democracia norte-americana, uma experiência de governo com mais de 200 anos, é afastar o perigo fascista de Donald Trump, que, além de propagandear ideias autoritárias, está começando a viver dificuldades típicas de quem está próximo dos 80 anos.

A eleição presidencial nos Estados Unidos é sempre importante. Esta é particularmente importante pela qualidade dos candidatos e pelas ideias absolutamente opostas de um e outro. Kamala Harris é um produto que só pode surgir numa sociedade aberta como é a norte-americana. Ela é filha de um jamaicano com uma indiana, nascida na Califórnia, que estudou em seu estado natal e morou no Canadá. Tem uma bela carreira jurídica que chegou a colocá-la na situação de procuradora geral do Estado. É uma democrata em todo o sentido do termo. É a expressão de uma sociedade livre, soberana, capaz de administrar seu destino, sem depender de terceiros. Ela chegou aonde chegou por esforço e mérito próprios.

Donald Trump é filho de pai milionário. Ele deu continuidade à fortuna herdada. Entrou no ramo de compra e venda de imóveis e ganhou muito dinheiro. Trabalhou na televisão em programa de perguntas e respostas que o tornou conhecido em todo país. Ele representa o que há de mais conservador na cultura norte-americana branca. Ele é abertamente contra estrangeiros, em especial árabes, negros e latinos, admite que, dentro do país, há forças poderosas que devem ser enfrentadas pela repressão policial ou militar, se for o caso, e faz crítica aberta à imprensa. Não acredita no sistema eleitoral e costuma ironizar a justiça de seu país. 

Na política externa, Trump é absolutamente claro na sua defesa do mercado interno, maneira que ele encontrou para fazer a América grande outra vez. Pretende trazer para casa a indústria norte-americana que se espalhou pelo mundo em busca de novos mercados e mão de obra barata. O aparelho celular mais vendido no mundo é desenhado na Califórnia, mas produzido na China. Boa parte dos veículos que rodam no mercado americano é produzida no México. Esses são pequenos exemplos. 

Um eventual governo Trump significaria elevação de barreiras aos produtos importados. Vai encarecer a vida do norte-americano médio e, possivelmente, aumentar em alguma medida o nível de emprego e fortalecer o dólar. Ele não esconde a profunda antipatia pelos chineses e seus produtos bons e baratos. Não gosta dos árabes na luta contra Israel e trata Putin como um bom amigo, a quem enviou, inclusive, testes para prevenir a covid. Em termos de Brasil, apenas vai projetar sua importância política. Não tem menor interesse em negociar com o Brasil, muito menos com o presidente Lula.

Kamala Harris é o reverso de quase tudo isso. Ela terá problemas para lidar com o governo de Israel e com os radicais palestinos. Essa é uma crise localizada. Ela tende a apoiar a Ucrânia e trabalhar pelo fim da guerra com a Rússia. Poderá ter relações normais com os países da América Latina, inclusive o Brasil. Em termos econômicos, não será muito diferente do que hoje o governo democrata norte-americano faz. A maior preocupação deles é a fronteira sul, que é muito assediada por milhares de migrantes em busca de trabalho no mercado norte-americano.

Os formuladores da política externa brasileira têm pouco a fazer neste particular, a não ser se informar, esperar e rezar. A vitória de Trump poderá ser um desastre nacional. O presidente Lula deve ter percebido que suas boas relações com dirigentes europeus não foram suficientes para garantir a assinatura do acordo entre União Europeia e Mercosul. Também não evitaram pesadas críticas dos europeus por suas posições favoráveis à Rússia na questão da Ucrânia. No continente, o presidente brasileiro tentou liderar uma conversa com Maduro, na Venezuela, mas nada resultou de produtivo. 

Quando for conhecido o resultado da eleição norte-americana, um novo ciclo político e econômico vai se iniciar no mundo. Os muros custam a cair. Mas terminam por desabar. A questão é para que lado esse cenário vai se desmontar. Os pequenos, mais pobres e menos desenvolvidos costumam ser convidados, sob pressão máxima, a pagar a conta. Diplomatas brasileiros precisam estar alerta para eventual mudança radical do vento na política externa. O perigo fascista chegou à América. 

Jornalista*

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