Saúde

Mais Médicos: política pública que chega aonde é mais necessária

Recente artigo na revista Social Science & Medicine, publicado por pesquisadores de Oxford e da Universidade Federal da Paraíba, mostrou que os efeitos do Mais Médicos são mais sentidos nas áreas com maior população rural e em condições de pobreza extrema

Felipe Proenço*

Wellington Carvalho**

Ricardo Soares***

A necessidade de provimento e fixação de profissionais de saúde, especialmente médicos para a Atenção Primária à Saúde em áreas remotas, é um desafio para os mais diversos sistemas de saúde. Está bem documentada a concentração desses profissionais em regiões mais centrais, enquanto os cidadãos das periferias das grandes cidades e das cidades mais distantes dos grandes centros sofrem com a falta de acesso ao atendimento médico no sistema de saúde.

Em 2013, foi lançado o Programa Mais Médicos, política pública desenvolvida para enfrentar a falta de médicos nas equipes de Saúde da Família, implementar mudanças na formação profissional, bem como ampliar vagas de graduação de medicina no interior e garantir vagas de residência para os egressos dos cursos médicos. Hoje, existem fartas evidências consolidadas de que o programa conseguiu prover profissionais para as áreas mais vulneráveis, ampliou o acesso ao SUS, diminuiu internações hospitalares e a mortalidade infantil. A satisfação das pessoas atendidas pelo programa é muito alta.

Apesar disso, o Mais Médicos foi descaracterizado no período entre 2016 e 2022, resultando em mais de 4 mil equipes sem médico. Esse foi o pior cenário do programa em 10 anos, o que afetou as áreas mais vulneráveis. Comunidades remotas que, até 2013, não contavam com a possibilidade de atendimento médico e tiveram esse cenário modificado pelo Mais Médicos, voltaram a ficar desassistidas.

Também nesse período, as ações na área da formação médica foram interrompidas: a avaliação seriada dos estudantes de medicina foi extinta, o número de vagas de residência médica caiu e foi feita uma suposta moratória de abertura de cursos de medicina que teve efeito contrário. A judicialização no período levou à criação de milhares de vagas de medicina em cidades que não estavam previstas no marco regulatório do Mais Médicos.

Isso tudo ocorreu em um cenário de desmonte da Estratégia de Saúde da Família: o modelo de financiamento proposto em 2018 fez com que as equipes ficassem sobrecarregadas, com diminuição nas ações nos territórios e comunidades, e aumento de filas para quem procurasse atendimento nos postos de saúde. Milhões de pessoas foram cadastradas nos postos, mas ficaram por mais de um ano sem nenhum registro de atendimento.

É nesse contexto que o Mais Médicos foi retomado. O número de médicos no programa foi ampliado, atingindo o maior patamar da história, com 26.600 profissionais. São médicos brasileiros que promovem a maior concorrência para ingressar no programa, com 11 candidatos por vaga. A população voltou a ter acesso a médicos em lugares que foram abandonados pela gestão anterior, e a assistência para regiões vulneráveis, como a Amazônia Legal e os territórios da saúde indígena, foi ampliada. Como bem resumiu o presidente Lula, em março de 2023: "Essa é a grandeza do Mais Médicos. É ir até onde está o paciente, e não ficar esperando que o paciente venha aonde está o médico".

O provimento de profissionais pelo Mais Médicos, desde sua concepção, foi construído com forte elemento de formação em serviço. Na retomada do programa, esse componente foi aperfeiçoado. Todos os médicos iniciam sua jornada com uma especialização em Medicina de Família e Comunidade. Quem é especialista na área pode acessar diretamente um mestrado profissional. A formação é feita pelas melhores universidades públicas do país, sendo que mais de 30 dessas instituições participam do programa.

O governo federal também retomou a regulação e orientação para a abertura de novos cursos de Medicina, priorizando as áreas com necessidade social e com uma rede de serviços suficiente para sediar esses cursos. Além disso, retomou a política de incentivos para ampliação de residências em Medicina de Família e Comunidade.

O programa foi retomado porque é uma política pública que demonstrou resultados, apesar de todo o desmonte sofrido nos seis anos dos governos Temer e Bolsonaro. A pesquisa mais completa sobre o Mais Médicos até o momento é uma revisão sistemática de um grupo de pesquisadores da Universidade de Brasília. Nela, 32 artigos foram catalogados demonstrando resultados do Mais Médicos como redução das mortalidades infantil e materna e de internações. Além disso, é comprovado efeito de economia para SUS com o programa, por ampliar a prevenção e consequentemente reduzir a necessidade de tratamentos para condições mais graves.

Mesmo um recente artigo na revista Social Science & Medicine, publicado por pesquisadores de Oxford e da Universidade Federal da Paraíba (entre eles um dos autores que assina este texto), mostrou que os efeitos do Mais Médicos são mais sentidos nas áreas com maior população rural e em condições de pobreza extrema, reforçando, assim, a característica do programa em promover equidade e superar diferenças históricas.

Não faz nenhum sentido dizer que o Mais Médicos estimula a inciativa privada. O programa é destinado a locais onde os médicos e os consultórios particulares nunca chegaram. Ele atende a uma população que nunca teve acesso a planos de saúde e tem apenas o SUS para garantir seu direito constitucional de acesso à saúde. Nesse escopo, também garante formação para milhares de médicos que aprofundam os conhecimentos de Atenção Primária à Saúde, que também devem ser bastante trabalhados ao longo da graduação.

O Mais Médicos quer seguir concretizando histórias como a da doutora Fabíola Dantas de Souza, mulher negra, de família humilde, nascida em Serrinha, interior da Bahia. Fabíola ingressou pelo sistema de cotas na primeira turma do curso de Medicina da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, aberto por meio do Mais Médicos. Formou-se, fez residência em Medicina da Família e Comunidade e hoje é médica de Saúde da Família em Conceição do Coité, na mesma região. É para que outras histórias como essas se repitam que o Mais Médicos foi ampliado.

É nesse caminho, pensando primeiramente na necessidade social em saúde, que o programa também garantirá a fixação de profissionais para o SUS com uma série de incentivos presentes em sua nova versão. Assim como foi pioneiro em garantir o provimento federal de médicos para a Saúde da Família, o Mais Médicos seguirá o caminho em ampliar a inserção de especialistas no SUS, mantendo resultados tão importantes quanto os já demonstrados e fortalecendo políticas públicas que priorizam a redução das desigualdades sociais. É uma das marcas do SUS: chegar aonde mais é preciso, levando resultados.

Secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde*

Diretor do Departamento de Apoio à Gestão da Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde**

Professor-adjunto da Universidade Federal da Paraíba***

Mais Lidas