Opinião

A hora do Senado na Reforma Tributária

Ainda que o imposto seletivo seja uma modalidade de tributo usual em outros países que implementaram Impostos sobre Valor Agregado, inexiste paralelo no direito comparado de uma tributação, pelo imposto sobre o pecado, sobre os bens minerais

Luiz Gustavo Bichara*

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado promoveu, na semana passada, audiência pública para debater o imposto seletivo na Reforma Tributária. O momento talvez não tenha sido dos melhores, uma vez que o mundo político estava na ressaca das eleições municipais e, talvez, o tema não tenha recebido a atenção merecida.

Ainda assim, convém estarmos atentos para o tema em face das inúmeras polêmicas que cercam a regulamentação da reforma, como aquelas que dizem respeito ao Imposto Seletivo. Até a última contagem, havia mais de 1.300 emendas apresentadas ao projeto — uma média de 16 emendas por senador da Casa. Delas, 124 tratam do Imposto Seletivo, representando 10% das emendas, e destas, 13 emendas tratam exclusivamente da retirada dos dispositivos que autorizam a cobrança do Imposto Seletivo sobre exportações.

O tema é sensível e tem potencial para causar enorme prejuízo à balança comercial brasileira, além de tratar de disposição que, certamente, será judicializada. Afinal, a Constituição consagra a imunidade tributária das exportações — um princípio básico de qualquer país civilizado, no sentido de que "não se exportam tributos".

O referido princípio, inclusive, é garantido por boa parte do texto da Reforma Tributária, com previsões expressas de que os novos tributos na modalidade de valor agregado — o IBS e a CBS — não incidirão sobre os bens exportados. O mesmo vale em relação ao Imposto Seletivo, que não onerará as exportações, salvo pela previsão constante do projeto de regulamentação que autoriza a incidência do imposto sobre a exploração mineral. Ou seja, o projeto a ser analisado pelo Senado garante a imunidade na exportação de produtos que serão tributados pelo Imposto Seletivo, tais como bebidas alcoólicas, refrigerantes e cigarros, mas permite a tributação dos chamados bens extraídos que, na atual redação, compreendem o minério de ferro e derivados do petróleo, inclusive o gás natural.

Essa exceção seletiva, na verdade, demonstra a deturpação do propósito do Imposto Seletivo, que seria o de desincentivar o consumo de bens nocivos à saúde ou ao meio ambiente. O ferro é essencial para toda a indústria, inclusive aquela que utiliza o minério na produção de bens benéficos ao meio ambiente, como as torres das usinas de energia eólica, painéis solares e tantos outros.

A verdade é que, ao mirar na exportação dos principais produtos da balança comercial brasileira, o imposto seletivo revela sua verdadeira face: o de ser (mais) um instrumento arrecadatório. Com isso, muda-se o sistema vigente atual, uma vez que os Impostos que serão substituídos pela Reforma Tributária (o ICMS, o PIS, a COFINS etc.) jamais incidiram sobre a exportação de bens minerais.

Ainda que o imposto seletivo seja uma modalidade de tributo usual em outros países que implementaram Impostos sobre Valor Agregado, inexiste paralelo no direito comparado de uma tributação, pelo imposto sobre o pecado, sobre os bens minerais. Muito menos sobre a exportação! Se aprovada a regulamentação da Reforma Tributária da forma como se encontra o texto, o Brasil terá não apenas uma, mas duas novas jabuticabas tributárias.

As invenções legislativas ainda contrariam uma das mais bem-vindas promessas da Reforma, que é a de simplificação do sistema tributário nacional. Ao criar a regra de tributação das exportações, o projeto de regulamentação foi além e também determinou a alteração da base de cálculo do imposto nesta hipótese, que obedecerá a um "valor de referência", ainda não determinado.

É esperado que a atribuição desse valor de referência, que poderá não corresponder ao custo da operação, seja mais um fator de complicação e questionamento judicial e administrativo, uma vez que os critérios da base de cálculo não serão definidos pelo Legislativo, mas, sim, por Ato do Executivo, o que impede a participação democrática dos contribuintes nesse processo normativo e traz dúvidas sobre quais critérios serão escolhidos.

Torcemos, portanto, que o Senado se atente para os riscos jurídicos e econômicos inerentes à hipótese esdrúxula de tributação dos bens minerais nas exportações, e, com isso, resguarde os mais básicos princípios tributários, protegendo a competitividade das empresas brasileiras e evitando o inevitável litígio dos próximos anos.

Sócio-fundador do Bichara Advogados*

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