Artigo

O poder do batom

O deslumbramento de Maria com a compra de um batom — um produto de beleza não muito caro — com o seu dinheiro não era só saciar uma vaidade feminina. O seu gasto, por muitos entendido como supérfluo, tem outros significados

— Amiga, você não sabe o que aconteceu?

— O que foi? — perguntei.

— Eu comprei o meu primeiro batom, com meu dinheiro — respondeu Maria.

— Que legal! Parabéns pra você — completei.

O contentamento orgulhoso de Maria (nome fictício) estava envolto de muitos significados. Ela, como muitas outras mulheres da periferia, não tem uma vida fácil. A renda mensal nem sempre é suficiente para cobrir todas as necessidades da família, principalmente quando o provedor ou provedora não tem um emprego estável… Aí, a situação fica muito difícil, e desejar um batom fica no plano das fantasias.

O deslumbramento de Maria com a compra de um batom — um produto de beleza não muito caro — com o seu dinheiro não era só saciar uma vaidade feminina. O seu gasto, por muitos entendido como supérfluo, tem outros significados. Entre eles, o rompimento da dependência,  reconhecimento da capacidade de vencer obstáculos, autonomia para libertar desejos reprimidos. Uma vitória pessoal, sem qualquer prejuízo ou acréscimo às contas domésticas. Era uma das muitas conquistas alcançadas com o curso básico de costura.

O ingresso em novo caminho para obter renda permitiu que Maria, como as mais de 100 mulheres, pudesse ter renda, com pequenos reparos em roupas, produção de bolsas de retalho, de tapete com sobras de tecidos, aventais e vários outros produtos, que lhes propiciaram ganhar um dinheirinho, como a maioria delas denominam os ganhos obtidos com a costura. 

Maria percebeu que tinha talento e vocação para ingressar nesse nicho de mercado, hoje carente de profissionais competentes. Não perdeu tempo e matriculou-se no projeto de costura avançada, em desenvolvimento pela Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (AscapBsB), em Ceilândia Norte, para aprimorar o seu conhecimento. Maria deseja dominar a arte de costurar e fazer dela uma profissão, algo que, até então, fora-lhe negado, devido aos afazeres domésticos e às dificuldades financeiras.  

Para Maria, Ana, Joana, Catarina, Cleide e tantas outras mulheres da periferia do DF, a costura é chave para encontrar o caminho e alcançar uma vida melhor. Saciar suas vaidades, oferecer condições melhores aos filhos e às filhas, romper com a dependência do marido ou companheiros. Hoje, elas sabem que podem ser a patroa delas mesmas.

Algumas dizem que, hoje, voltaram a se sentir gente e, por meio da costura, esperam alinhavar novos caminhos e produzir um futuro, até então, visto como impossível. Reconhecem e entusiasmam-se com a descoberta de que são capazes de superar dificuldades. E não à toa, Maria e suas colegas têm essa certeza. Segundo elas, a professora Suzy, ao mesmo tempo em que é carinhosa, é também rigorosa e exige perfeição nos exercícios. Se erram têm de fazer tudo novamente. Um exercício de superação que também é aplicado no dia a dia. Corrigir os erros não é uma derrota, mas o reconhecimento de que é possível acertar. 

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