Francisco Aires Afonso Filho*
A beleza salta aos olhos na baía de Luanda! Altos e modernos prédios, centros de compras, museus, como o da Moeda, o lindo prédio do Banco Central de Angola, monumentos e esculturas, e a vista da fortaleza de São Miguel, de onde se vislumbra a ilha do cabo, ou ilha de Luanda, uma estreita nesga de terra, com atuais 7 quilômetros de comprimento.
A ilha tem grandes significados para a própria identidade de Luanda e de Angola, formando uma barreira que possibilita a formação da baía e era a base dos seus habitantes nativos, os axiluanda. Lá se conserva a tradição de culto à kyanda e kituta, presenças míticas assemelhadas às sereias da cosmogonia dos povos que ali habitam, influenciando na vida diária da comunidade.
O festival do Kakulu, preservado até hoje pelas mães do xinguilamento, as bessangana, pode ter sido a influência que fez com que a festa de Yemanjá, devido à semelhança mítica, se tornasse uma grande celebração nos rios, mares e lagoas em todo o Brasil. Yemanjá tem referência na cosmogonia e formação da identidade dos povos yorubás (atualmente Nigéria e parte do Benin), mas com alguma semelhança mítica com as Ianda (plural de Kyanda) pode ter gerado relativo sincretismo intercultural e mítico, aproximando identidades transcendentes e ancestrais na diáspora africana no Brasil.
Luanda, fundada como posse portuguesa em 1575, pelo capitão de fragata Paulo Dias Novais, com o nome de São Paulo de Luanda, foi base do processo colonizador, fazendo da região um centro de escravização e comércio de africanos e exploração das riquezas naturais, resultando grandes riquezas para a família Dias Novais e seus descendentes, tanto em Angola quanto em Portugal e no Brasil.
Angola, antes da chegada de Novais, era território organizado em sistemas sociais e políticos avançados. Tinha comércio com outros povos e, por isso, é importante se falar em posse portuguesa, sob uma perspectiva colonizadora, não de uma descoberta.
Hoje, a capital Luanda, que fala português oficialmente, com a presença de povos e línguas estrangeiras, como o francês e inglês, também mantém línguas nativas, como o kikongo, kimbundu, tchokwe, umbundu, ngangela, lingala e tantas outras línguas que se uniram ali por motivos históricos.
Luanda também é um lugar mítico na umbanda e no candomblé angola-kongo do Brasil, que se referencia em Luanda (ou Aruanda, Aluanda) como a sua origem e seu ideal de saudade e de retorno ancestral. Tem o cheiro moderno de uma sociedade diversa e cosmopolita, que luta pela justiça social, com grandes concentrações de renda e um grande desafio social de inclusão da massa excluída das riquezas do país, coisa que nós, brasileiros, conhecemos bem.
Mas também tem o cheiro ancestral do óleo de palma (azeite de dendê), do funji (um angu em ponto de polenta) de milho branco, amarelo ou de mandioca/bombó, do bombó assado (mandioca), do jinguba (amendoim), da muamba de peixe, frango ou galinha rija (caipira) que acompanha a funji, da moqueca, do calulu, do mufete e da banana pão assada e das praças (feiras) em que se encontra tudo, desde roupas, móveis, frutos e raízes tradicionais, alimentos modernos/estrangeiros e elementos usados na medicina e ritos tradicionais pelos/pelas gincanas, kimbandas, curadores, xinguilar e kilambas.
Os grandes prédios modernos e os monumentos coloniais nos lembram de tudo que ali se desenrolou. Aquela orla foi cenário do embarque de milhares de crianças, adolescentes, homens e mulheres, para serem escravizados e produzirem riquezas para os colonizadores. O pôr do sol tem uma nostalgia secular e uma cobrança histórica das almas que dali partiram para um destino incerto e plantaram suas raízes de resistência nas diásporas africanas que, até hoje, resistem e mantêm uma saudade ancestral de Luanda.
Tata Nganga Ngunzetala, graduado em teologia e pedagogia, pós-graduado em direito administrativo disciplinar*