» Maurício Antônio Lopes, Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Os países emergentes estão traçando novos contornos no mapa global da ciência. Essa é a conclusão do professor Carlos Henrique de Brito Cruz, ex-diretor científico da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e atual senior vice president, research networks na Elsevier, uma das maiores editoras de pesquisa científica no mundo.
Com base em dados extraídos da plataforma Scopus, da Elsevier, o professor Brito Cruz explorou em grande detalhe a dinâmica da produção científica mundial nas últimas décadas. A Scopus oferece uma vasta cobertura global, o que possibilita análises robustas da produção científica. Os resultados foram apresentados recentemente em Berlim, na Alemanha.
Os dados mostram que, entre 1970 e 2003, as publicações científicas aumentaram a uma taxa de 3% ao ano, acelerando para 5% ao ano entre 2003 e 2023. Esse aumento reflete a expansão da produção científica global, especialmente nas últimas duas décadas, abrangendo artigos científicos, livros, capítulos, patentes e apresentações em conferências.
Entre 1970 e 2022, o número de artigos científicos cresceu 20 vezes, enquanto o de autores aumentou 34 vezes. Esse crescimento está ligado ao aumento global de cientistas e ao impulso da produção acadêmica, que reflete a expansão das capacidades de pesquisa em diversas regiões do mundo.
Um dado relevante é o crescimento acelerado na produção científica nos países de baixa e média renda (LMICs), tanto em números absolutos quanto em participação global. Embora os países de alta renda (HIC) ainda dominem a produção científica, os países em desenvolvimento estão ganhando espaço, com uma taxa de crescimento anual de 10% na publicação de artigos científicos, comparada a 5% nos países mais ricos.
A análise entre o número de cientistas por milhão de habitantes, a renda nacional bruta per capita (GNI) e o número de publicações mostram uma relação direta entre a capacidade econômica de um país e sua produção científica. Nos países de alta renda, há uma densidade maior de cientistas e um volume significativo de publicações, refletindo o impacto positivo de economias fortes na capacidade científica.
Surpreendentemente, os países de baixa e média renda, mesmo com uma menor densidade de cientistas por milhão de habitantes, têm produzido números consideráveis e crescentes de artigos. Isso reflete a expansão de suas capacidades de pesquisa, mesmo em contextos econômicos mais limitados. Embora a correlação entre riqueza e produção científica seja clara, os países em desenvolvimento estão emergindo como centros importantes de pesquisa, aumentando sua participação no cenário global.
Essa tendência é particularmente evidente nas publicações relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDGs) da ONU. Em 2020, mais de 57% dos artigos relacionados aos SDGs contavam com a contribuição de autores de países em desenvolvimento, mostrando a crescente relevância dessas nações na produção de conhecimento voltado ao desenvolvimento sustentável.
O estudo mostra que ainda há um potencial significativo de crescimento da capacidade científica nos países de baixa e média renda. Enquanto os países de alta renda tendem a manter uma base científica mais estável, os países em desenvolvimento têm espaço substancial para ampliar suas comunidades de pesquisa. Se continuarem no ritmo atual, a ciência global passará por mudanças profundas nas próximas décadas.
A formação de doutores também é um indicativo dessa transformação. O número de doutorados concedidos anualmente aumentou significativamente em países como China, EUA, Índia, Alemanha, Brasil e Reino Unido, refletindo o fortalecimento de suas infraestruturas de pesquisa e educação avançada. Esse crescimento na formação de doutores tende a tornar esses países mais competitivos no cenário global de ciência.
Apesar dos avanços, a análise do professor Brito Cruz aponta que ainda existem desafios importantes a serem superados nas nações em desenvolvimento, especialmente na integração entre a ciência acadêmica e a inovação tecnológica. Para acelerar o progresso, é crucial aumentar o financiamento e fortalecer a integração entre ciência e tecnologia, maximizando os benefícios sociais e econômicos dessas nações em ascensão.
Para o Brasil, o estudo oferece lições claras: é essencial fortalecer a colaboração entre pesquisa pública e o setor empresarial para transformar conhecimento científico em inovação e crescimento econômico. O país tem uma base científica sólida, mas precisa de investimentos mais robustos em ciência e tecnologia, especialmente na integração entre universidades, organizações públicas e indústrias. Com políticas que incentivem essa parceria, o Brasil pode ampliar sua relevância global e acelerar o desenvolvimento econômico e social, aproveitando plenamente seu potencial na nova geografia da ciência.