Futebol

Cid Moreira, Jabulani e eu

Recebo o microfone e faço a pergunta mais simples, curta e direta da carreira: "Julio Cesar, o que acha da Jabulani, a bola oficial da Copa do Mundo?"

Não conheci Cid Moreira (29/9/1927-3/10/2024), mas sou grato à bola Jabulani por ter feito o meio de campo e conectado-me com a voz mais famosa do telejornalismo brasileiro no meme na Copa do Mundo da África do Sul. Johannesburgo, 28 de maio de 2010. Sala de imprensa do Randpark Club, o belo campo de golfe do hotel The Fairway, a concentração da Seleção. A CBF convida os jornalistas credenciados para a entrevista com os goleiros convocados por Dunga: Julio Cesar e os reservas Gomes e Doni. Ao lados deles, Taffarel.

Era a minha primeira cobertura de Copa pelo Correio Braziliense. Deixei o hotel ao lado do colega Eugênio Moreira do Estado de Minas com uma lista de perguntas e observações de treinos escritas à mão salvas em um bloquinho.

Passei praticamente a entrevista coletiva inteira com o dedo indicador erguido pedindo uma oportunidade. O microfone driblava-me na sala de conferências, porém não saí da marcação. O tempo avançava, o fim da coletiva se aproximava e os companheiros de imprensa consumiam as minhas ideias de pergunta. O momento era tenso, crítico.

De repente, um dos assessores da CBF caminha em minha direção com o microfone. Ouço longe Rodrigo Paiva dizer que era a última pergunta. Passam mil pela minha cabeça, mas uma observação registrada no bloquinho havia chamado a minha atenção nos primeiros contatos dos goleiros com a bola da Copa: as caretas do Julio Cesar. Pronto. O dedo de Deus apontou e disse: a pergunta é essa. E lá fui eu na base do improviso.

Recebo o microfone e faço a pergunta mais simples, curta e direta da carreira: "Julio Cesar, o que acha da Jabulani, a bola oficial da Copa do Mundo?". O melhor goleiro do mundo à época, campeão da Champions League pela Internazionale naquela temporada, sequer espera a conclusão e atropela: "É uma m..., terrível, horrorosa, parece aquelas bolas que você compra no supermercado", disparou na melhor e mais sincerona resposta daquela entrevista.

Tive pela primeira vez a noção da onda provocada por uma crítica na Copa. Produtores e repórteres pediam aos editores para cortarem na frase sobre a bola. Tínhamos a primeira polêmica do Mundial. Parceira de longa data da Fifa, a alemã Adidas, rival da estadunidense e cebeefiana Nike, soltou nota em defesa da Jabulani. O treinador de goleiros Wendell explicava a crítica. A bola de couro sintético era leve, veloz, uma ameaça a quem jogasse adiantado.

Naquele dia, Jabulani conectou o menino criado no Cruzeiro Novo vendo Jornal Nacional sonhando ser jornalista esportivo com Cid Moreira. Soube da África do Sul que a treta havia inspirado o meme da Copa de 2010 na interpretação do nosso Pelé da locução. A bola virou o pesadelo dos goleiros. Inclusive de Julio Cesar na eliminação contra a Holanda nas quartas de final. O país se divertiu com a vinheta "Jabulaaaani". Jamais esquecerei. Eis a minha homenagem. Valeu, Cid Moreira! Boa noite.

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