No último domingo, o Brasil assistiu a mais um caso de violência com integrantes de torcidas organizadas como protagonistas. O ataque feito pela Mancha Verde, ligada ao Palmeiras, deixou um membro da Máfia Azul, entidade relacionada ao Cruzeiro, morto na BR-381, onde ônibus foram destruídos e incendiados em Mairiporã, na Grande São Paulo. Outras 17 pessoas ficaram feridas.
As cenas da emboscada logo se espalharam nas redes sociais, principalmente em grupos de WhatsApp. Na mesma velocidade em que os conteúdos foram compartilhados, também apareceram opiniões que repetem chavões sobre episódios semelhantes. A cobrança é por uma punição exemplar, enquanto torcedores rivais tentam emplacar na agremiação agressora o título de "torcida mais desleal do país".
O roteiro é conhecido por qualquer torcedor mais atento ao noticiário: grande parte da imprensa condena a emboscada, as autoridades prometem uma resposta à altura e os suspeitos negam envolvimento no caso. Enquanto isso, a discussão sobre as reais causas do problema continuam ignoradas. A resposta se concentra sempre na coerção, que joga no mesmo time da ignorância científica.
Autora do livro Futebol e violência, a pesquisadora Heloisa Helena Baldy dos Reis se dedica ao tema. Na publicação, que completa em breve 20 anos, ela indica possíveis linhas de combate ao problema nascido nos anos de 1980, evidenciando-o como uma questão social não só do esporte, mas também dele.
A autora ressalta que o futebol é usado como plataforma para a manifestação violenta. Em um contexto social no qual boa parte das pessoas convive com saúde e educação vulneráveis, desemprego e falta de progresso, é comum o uso do esporte para reafirmação de comportamentos descontrolados, sobretudo entre os homens.
Cotidianamente colocados em posições de provedores da família, eles, diante das dificuldades socioeconômicas, recorrem ao reforço da masculinidade para se estabelecer socialmente. A arquibancada se torna um espaço onde podem se sentir no controle, sem as limitações que o cotidiano lhe impõe. Campo e bola viram, então, palcos do machismo sem questionamento coletivo.
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É evidente que as soluções para um problema dessas proporções são também complexas, embasadas em conhecimentos técnicos. O que se cobra aqui é uma reflexão mais aprofundada sobre a violência no Brasil. Urge pensar a questão com a profundidade que ela merece, sem vícios e lugar-comum. As punições conhecidas pelo torcedor pouco surtiram efeito ao longo dos anos. Proibir adereços e materiais que identificam determinada torcida organizada, jogos com portões fechados e multas monetárias são como enxugar gelo ou balançar as redes em impedimento.
Há, ainda, punições que têm efeitos contrários — muitas delas pautadas no uso da força. A truculência policial incentiva ainda mais a sede pela masculinidade, em vez de frear os crimes cometidos pelas organizadas. Medidas sem base científica só servem para dar respostas momentâneas à opinião pública e ignoram a complexidade que envolve a violência em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, como o Brasil.
Aqui também cabe cobrança aos clubes. Mais do que entender as complexidades do ganguismo, é preciso que eles banam dos seus quadros, e do futebol, posturas que estimulem a violência. O reforço de comportamentos violentos e da semiótica bélica dentro do esporte incendeia ainda mais um contexto já inflamado pelo ódio a quem deveria ser apenas um adversário esportivo.
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