Opinião

Vladimir, conterrâneo do Cerrado e do sertão

Vladimir era, como disse Silvio Tendler, o João Cabral de Mello Neto do cinema, levando para as telas a realidade do sertão. Sua obra é vasta, plural e complexa como a realidade. É, sem dúvida, o pai do cinema brasiliense

Vladimir Carvalho tinha 89 anos, dirigiu muitos filmes em Brasília e foi professor da Universidade de Brasília -  (crédito:  Ana Rayssa/CB/D.A.Press. Brasil. Brasilioa - DF. Cidades. Serie Brasilia Sexagenaria. Cinesta Vladimir Carvalho. )
Vladimir Carvalho tinha 89 anos, dirigiu muitos filmes em Brasília e foi professor da Universidade de Brasília - (crédito: Ana Rayssa/CB/D.A.Press. Brasil. Brasilioa - DF. Cidades. Serie Brasilia Sexagenaria. Cinesta Vladimir Carvalho. )

Poucas pessoas terão a sorte de ter um obituário feito de frases, menções, palavras tão lindas. Escrevo hoje com a emoção de quem leu e ouviu as homenagens a Vladimir Carvalho, que morreu na última quinta-feira, aos 89 anos. Mas, não, não se trata de sorte. É mais apropriado dizer merecimento. É justo e necessário falar de Vladimir pela voz de quem o conheceu e admirou — e é tão verdadeiro que soa poético. Seus contemporâneos — sobretudo amigos e alunos — não fizeram esforço para falar bonito sobre ele. Faço também minhas as palavras de cada um para honrá-lo neste espaço.

Era nascido paraibano, mas renascido brasiliense, como disse o ator João Paulo. Cineasta, um dos maiores documentaristas do Brasil, andava feliz demais pela esperança de ver realizado o sonho de transformar a Fundação Cine Memória em um Museu do Cinema. São mais de 5 mil itens guardados numa casa da W3 Sul, puro ouro que se transformará — assim esperamos — na Cinemateca de Brasília. O coração de Vladimir não aguentou. O velório, com o nome inscrito no letreiro, foi no Cine Brasília, e não podia mesmo ser em outro lugar.

Vladimir era sertão e Cerrado. Era, como disse Silvio Tendler, o João Cabral de Mello Neto do cinema, levando para as telas a realidade do sertão. Poucos sabiam que também era um escultor dos bons — retratando o cangaço e figuras históricas do sertão. Posteriormente, fez da epopeia de Brasília um material bruto lapidado, mas pela força do real. Retratou a construção da capital pela visão dos operários à invasão da UnB, onde fez história e se tornou professor emérito. Enveredou-se pelo rock brasiliense. Sua obra é vasta, plural e complexa como a realidade.  É, sem dúvida, o pai do cinema brasiliense. Gestou muitos discípulos. 

Ele dizia que "não tinha filhos, tinha filmes", como nos contou Walter Carvalho (Central do Brasil). E que filmes! Mas creio que os tantos que vieram a conviver com ele, a filmar com ele, a aprender com ele são também filhos, além de admiradores da obra e sobretudo da pessoa. Grande professor, "era um lutador que refletia o humanismo em seus filmes", disse também Walter Carvalho. 

Severino Francisco, nosso cronista, repórter e editor, terminou sua matéria dizendo que Vladimir é nosso líder das causas conquistadas e o nosso herói das causas perdidas. Foi mais longe e mais bonito: ''O legado de Vladimir é, ao mesmo tempo, cultural, político, humano, afetivo e espiritual. Ele humanizou, virilizou, dignificou e elevou Brasília com seu espírito aguerrido e inflamado". Brasília agradece genuinamente e precisa honrá-lo com a cinemateca tão sonhada. 

 


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postado em 27/10/2024 06:00 / atualizado em 27/10/2024 06:00
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