Cristovam Buarque — Professor emérito da Universidade de Brasília
Mais uma vez o eleitor alerta as forças progressistas, votando em candidatos conservadores, inclusive da extrema direita. No regime militar, havia unanimidade na defesa da democracia e de conquistas sociais que a direita negava. Na primeira eleição direta, os democratas já se dividiram e o eleitor preferiu o candidato da direita, que defendia o fim dos marajás encastelados na máquina do Estado. A esquerda ficou como defensora de privilégios e não se livrou mais dessa marca.
As forças progressistas foram salvas pelo impeachment de Fernando Collor devido a suspeitas de corrupção. O bom governo de Itamar Franco, especialmente no controle da inflação, permitiu eleger Fernando Henrique Cardoso, que consolidou imagem positiva dos democratas progressistas. Na continuação, o eleitor avançou para a esquerda elegendo seguidamente quatro governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Mas, em nenhum momento, com unidade progressista: o PT fez oposição ao PSDB, e o PSDB, ao PT. Essa divisão aliada aos erros de gestão e o envolvimento com corrupção elegeram a extrema direita em 2018, menos por desejo conservador do que por antagonismo e cansaço com o discurso e comportamento da esquerda, especialmente o PT.
O eleitor fica conservador sobretudo pelo esgotamento das propostas de esquerda. Apesar da ineficiência, desperdício e corrupção do Estado, a esquerda continuou tratando estatal como sinônimo de público, sem apresentar críticas nem propostas para superar as fragilidades dos governos. Preferiu ficar do lado dos servidores públicos e seus sindicatos do que dos usuários dos serviços públicos. Perdeu a capacidade de encantar o eleitorado com propostas alternativas desejadas pelo povo, ficou igual a direita e com menos eficiência.
O eleitor deixou de desejar melhorar o Estado e passou a desejar acesso aos serviços privados, prefere a direita porque lhe parece mais eficiente para administrar os mesmos programas da esquerda. Embora criado em 1995 em governo do PT no DF, o Bolsa Escola, levado para o Brasil por Fernando Henrique Cardoso e adotado pelo governo Lula como Bolsa Família, não é mais um programa de esquerda. Foi mantido inclusive por Bolsonaro com o nome de Auxílio Brasil. Apesar de 26 anos no poder, 16 dos quais sob o PT, as esquerdas nunca apresentaram uma estratégia de reforma social para erradicar a pobreza, distribuir melhor a renda nacional, vacinar a política contra corrupção. As bolsas, o SUS e o aumento do salário mínimo acima da inflação reduzem a penúria, mas não eliminam o quadro de pobreza nem diminuem a concentração de renda, talvez até agravada pela criação de privilégios e pela migração para as cidades, com crescimento da violência.
A esquerda não apresenta alternativas estruturais para eliminar o quadro de pobreza, distribuir renda, crescer a economia respeitando o meio ambiente, publicizar as estatais, implantar um sistema nacional de educação de base com equidade, organizar cidades com convivialidade e pacíficas. Quando se diferencia da direita e acena corretamente para o futuro com propostas humanistas — direitos dos povos originários, preservação das reservas indígenas, solidariedade aos imigrantes venezuelanos, suspensão de produção de combustível fóssil —, a esquerda perde eleitores porque não oferece benefícios para os que sofrem perdas no presente.
Na educação, os governos progressistas se concentraram em aumentar o número de alunos no ensino superior sem reformas estruturais na educação de base. Ficaram mais identificados com os servidores e suas longas greves do que com a melhoria da qualidade, ainda menos com a busca de equidade em um sistema único nacional público, que universalize a escola com qualidade independentemente da renda e do endereço da família.
Com a arrogância de monopolistas da verdade, os militantes de esquerda se recusam a ver o esgotamento de seu discurso e acusam os eleitores de estarem errados ou apontam defeitos da direita — eleitoralismo, populismo, uso de dinheiro, demagogia, corrupção —, esquecendo que hoje a esquerda pratica os mesmos defeitos, passa a mesma falta de utopia e transmite menos confiança. Fica impossível atrair o eleitor quando os lideres de direita praticam religião como política e os candidatos de esquerda praticam política como religião.
Sem apontar rumo para o futuro e sem discurso para o eleitor atual, a esquerda se esgota, fica eleitoreira sem se ajustar ao que pensa e deseja o eleitor. Deixa de ser farol e vira retrovisor, papel que deve caber com naturalidade à direita, cujo papel é conservar, não progredir.
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