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Cidade boa para morar é uma cidade boa para as crianças

Cidade precisa deixar de ser antônimo de natureza. Garantir o acesso rotineiro das crianças a áreas verdes não é luxo. É sobrevivência

Cidade boa para morar é uma cidade boa para as crianças -  (crédito: Reprodução)
Cidade boa para morar é uma cidade boa para as crianças - (crédito: Reprodução)

Cláudia de Freitas Vidigal*, JP Amaral**

Quantos minutos por dia seu filho brinca na natureza? Essa pode ser uma pergunta angustiante para mães e pais de crianças e adolescentes que vivem nas grandes cidades do Brasil. Sobretudo porque, na nossa vida cimentada, emparedada e curvada sobre uma tela, muitas vezes a resposta possível é outra pergunta, mais trágica: Mas que natureza?

A cidade de São Paulo, por exemplo, dispõe apenas de 2,6 metros quadrados de praças e parques por habitante. Nas grandes cidades da Europa, a recomendação é que cada cidadão disponha de 18 metros quadrados de espaço público verde e acessível. No Brasil, se oito em cada 10 crianças vivem em zonas urbanas, segundo o IBGE, e 65% das escolas públicas de educação infantil não têm nenhuma área verde, conforme o Censo Escolar 2022, está claro que o saldo não é bom.

Mas não podemos nos conformar. A Constituição Federal, em seu artigo 225, diz que todos temos direito a um meio ambiente equilibrado e "o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". E no artigo 227, que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar às crianças e adolescentes, "com absoluta prioridade", o direito à vida, à saúde e ao lazer. Em meio a tanta fumaça no céu e tantas notificações na palma da mão, é urgente refletir e agir.

Nesse sentido, o Projeto de Lei 2.225/2024, apelidado de Marco Legal Criança e Natureza e elaborado por mais de 80 entidades que atuam na defesa das infâncias e do meio ambiente, traz uma grande inovação: protocolado na Câmara Federal pela deputada Laura Carneiro (PSD/RJ), ele junta os dois artigos constitucionais e propõe um novo marco legal para fazer valer, por meio de diretrizes e políticas públicas, o direito das crianças à natureza. Mais que isso: o direito de elas terem acesso fácil a espaços naturais equilibrados, seguros e saudáveis, onde possam brincar com regularidade. Locais que possibilitem a convivência familiar e comunitária em detrimento do isolamento das telas e o consumismo. Espaços que ajudem as cidades a mitigar os efeitos climáticos extremos.

Para a ciência, os benefícios dessa convivência ancestral com ambientes naturais são muito claros. Criança que brinca ao ar livre é mais autoconfiante, criativa, cooperativa, concentrada, curiosa, emocionalmente equilibrada. O contato rotineiro com o verde diminui o estresse, a ansiedade, contribui para a sociabilidade, melhora a coordenação psicomotora e auxilia no controle de doenças crônicas, como diabetes, asma e obesidade. "Isso sem falar nos benefícios ligados ao campo da ética e da sensibilidade, como encantamento, empatia, humildade e senso de pertencimento", conforme destaca o manual de orientação Benefícios da natureza no desenvolvimento de crianças e adolescentes, da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Cidade, portanto, precisa deixar de ser antônimo de natureza. Garantir o acesso rotineiro das crianças a áreas verdes não é luxo. É sobrevivência — para todos nós. E não estamos falando exclusivamente de grandes parques ou florestas remotas. Muitas vezes, uma praça com área verde funcionará bem. O mais importante, conforme traz o Projeto de Lei, é que os espaços naturais estejam a uma "curta distância, caminhável" das moradias das crianças, em todo o território, em especial nas periferias.

Cidades como Jundiaí, Caruaru, Niterói e Fortaleza estão conseguindo ótimos resultados com a criação de áreas verdes relativamente baratas. São os chamados parques naturalizados, planejados a partir das características do terreno, muitas vezes numa área antes baldia. Nos aclives, declives e ondulações, nascem caminhos de pedrinhas, lascas de madeira ou de terra batida. Há espécies de plantas nativas, árvores e troncos para se pendurar, escalar ou descansar. Toquinhos de madeira e cascas de coco viram panelas para a comidinha de grama e lama. Os cursos d'água, diques e poças são bons para deslizar o barquinho de folha e sapatear. Os barrancos, para escorregar com papelão… Parques naturalizados oferecem um conjunto infinito de brincadeiras porque estimulam a imaginação e a autonomia das crianças, convidando-as a explorar, criar e estar presentes — e não hipnotizadas por um celular.

O Brasil tem 85% da população vivendo em cidades. É uma escolha que está feita. As crianças, apesar de também serem sujeitos de direitos, raramente são consultadas sobre políticas e projetos urbanos. Todos os dias, as grandes cidades brasileiras estão sendo transformadas, pensadas, apagadas e recriadas. Por adultos. Mas o que é uma cidade boa para viver? Uma cidade boa para as crianças? É a que garante a elas o direito de brincar e aprender com e na natureza. Elas sabem disso. Para os adultos que por ventura se esqueceram, vale a bem-humorada "receita médica" prescrita pela Sociedade Brasileira de Pediatria: "Se persistirem os sintomas de desânimo, reforçar as doses de brincadeiras ao ar livre".

Representante no Brasil da Fundação Van Leer*

Gerente de natureza do Instituto Alana**

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postado em 20/10/2024 06:00
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