Opinião

A alimentação escolar no combate ao desperdício de alimentos

É essencial que as ações de combate ao desperdício de alimentos sejam institucionalizadas no ambiente escolar, como parte das ações pedagógicas e curriculares

PRI-1310-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1310-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

» Najla Veloso, Coordenadora do projeto Agenda Regional de Alimentação Escolar Sustentável na América Latina e Caribe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU)

Enfrentar o desperdício de alimentos se torna cada vez mais urgente quando nos deparamos com dados alarmantes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) que indicam que 1 bilhão de toneladas de alimentos foram jogadas fora em 2022. Isso equivale a cerca de um quinto de toda a produção global. Enquanto isso, 41 milhões de pessoas na América Latina e no Caribe, além de 733 milhões no mundo, enfrentam a fome, de acordo com o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e outras agências da ONU. 

O desperdício de alimentos ocorre, em significativa parte, no consumo final, seja no varejo, seja nas residências. No ambiente escolar, esse diálogo abrange desde o planejamento das compras, a preparação e o consumo das refeições pelos estudantes até o descarte de sobras e resíduos gerados durante a alimentação. Para enfrentar esse problema, é necessário adotar medidas que envolvam todas as etapas do processo de desenvolvimento dos programas de alimentação escolar.

Uma das ações mais eficazes na redução do desperdício é o planejamento adequado das compras de alimentos, sempre considerando o diálogo entre gestores, nutricionistas e agricultores. A valorização da sazonalidade e da cultura alimentar local, o incentivo a circuitos curtos de produção e consumo, e a capacitação de agricultores familiares para atender às demandas dos programas de alimentação escolar também são medidas essenciais.

Outras iniciativas incluem o armazenamento correto dos alimentos, a definição de cardápios que respeitem a biodiversidade local, a capacitação das merendeiras e a adequação das porções à idade dos estudantes. Também é fundamental recomendar o reaproveitamento de talos, cascas e sementes em novas receitas, evitando o descarte desnecessário.

Uma relevante estratégia é a educação alimentar e nutricional, pois ao promover e educar sobre o consumo de alimentos nutritivos, há chances de aumentar a aceitabilidade das refeições compostas por legumes, verduras e frutas oferecidas nas escolas. Além disso, essa educação contribui para a formação de hábitos saudáveis e sustentáveis que impactam os estudantes e suas famílias.

Outra ferramenta valiosa é a implementação de hortas pedagógicas nas escolas. Além de incentivar o consumo de alimentos frescos e saudáveis e permitir o contato com o meio ambiente, as hortas possibilitam o aproveitamento de resíduos orgânicos para a compostagem, criando um ciclo sustentável em que os alimentos são cultivados, consumidos e seus restos retornam ao solo, fechando o ciclo de forma ecológica.

Experiências bem-sucedidas já ocorrem no Brasil e em outros países da região, com projetos que ajustam a quantidade de alimentos servidos e mensuram o desperdício, promovendo a conscientização dos estudantes e comunidades sobre a importância de evitá-lo, especialmente em um mundo em que milhões de pessoas enfrentam a insegurança alimentar e as mudanças climáticas atingem a todos. 

Para garantir que essas iniciativas ganhem escala, é essencial que as ações de combate ao desperdício de alimentos sejam institucionalizadas no ambiente escolar, como parte das ações pedagógicas e curriculares. A Lei nº 11.947/2009, que regulamenta o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), prevê a inclusão de práticas de educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, abordando temas como alimentação saudável e segurança alimentar. 

Essa legislação também estabelece que, no mínimo, 30% dos alimentos adquiridos para o programa de alimentação escolar sejam provenientes da agricultura familiar. Isso fortalece os circuitos curtos de produção, transporte e consumo, facilita a logística e incentiva o uso de produtos locais, o que contribui significativamente para a redução do desperdício dos alimentos adquiridos.

Outra importante estratégia é a Rede de Alimentação Escolar Sustentável (RAES), criada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), secretariada pela FAO. A RAES promove diálogos e intercâmbios entre países da América Latina e Caribe para discutir soluções e desafios relacionados à perda e ao desperdício de alimentos, como um importante componente dos programas de alimentação escolar.

Por fim, o combate ao desperdício de alimentos no ambiente escolar demanda um esforço conjunto de governos, tomadores de decisão, parlamentares, sociedade civil, gestores escolares e, sobretudo, dos educadores, nutricionistas, manipuladores de alimentos, estudantes e suas famílias. Uma mudança duradoura depende da conscientização sobre o papel que cada um desempenha nesse combate ao fazer escolhas diárias conscientes e comprometidas com o planeta e as próximas gerações. 

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postado em 13/10/2024 06:00
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