Reforma tributária

A conexão entre a Reforma Tributária e a alimentação saudável no Brasil

Ao dar um tratamento diferenciado para os alimentos que estão no Guia Alimentar da população brasileira, do Ministério da Saúde, poderemos desestimular o consumo desses últimos e promover uma justiça tributária até mesmo entre os produtores

 19/09/2024 Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Cidades. Embalagens poluentes nos supermercados.  -  (crédito:  Kayo Magalhães/CB/D.A Press)
19/09/2024 Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Cidades. Embalagens poluentes nos supermercados. - (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

PAULA JOHNS — Socióloga, cofundadora e diretora executiva da ACT Promoção da Saúde

Grandes nomes da sociedade civil, governos, entidades públicas e privadas têm sentado à mesa nos últimos tempos para discutir como podemos erradicar a fome no mundo e atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 1 e 2), estabelecidos pelas Nações Unidas. De acordo com o último relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), há um aumento da insegurança alimentar no mundo, com um retrocesso nos percentuais nas diversas regiões, em especial nos países africanos e países em desenvolvimento, como na América Latina e Ásia. São 780 milhões de pessoas que passam fome todos os dias no mundo. Os dados do Brasil, em 2023, indicam que ainda estamos em uma situação pior do que há uma década em insegurança alimentar no patamar médio e grave, apesar da recuperação nos últimos dois anos.

Importante lembrar que, para além da agenda internacional, o Brasil está neste momento discutindo sua Reforma Tributária, e essa é uma oportunidade única para cruzar esse debate do que está acontecendo na agenda mundial com a agenda Brasil para subsidiarmos os tomadores de decisão sobre como avançar no combate à fome e garantir uma alimentação de qualidade e saudável para toda a população. 

O sistema tributário nacional foi definido nos anos de 1960, em um contexto totalmente diferente da realidade atual. Recentemente, assisti ao documentário Tax Wars, uma analogia ao filme Star Wars, que tem dados muito impressionantes com relação ao sistema tributário global, quem paga imposto, quem não paga e manobras fiscais que fazem com que essa arquitetura financeira mundial fique ainda mais complexa e que o desafio de enfrentar as desigualdades, seja dentro dos países ou entre países, fique quase intransponível se não dermos conta de mexer com o sistema tributário do mundo.

Por aqui, uma das discussões muito importantes sobre a mudança estrutural no nosso sistema de tributação sobre bens e serviços se entrelaça com a discussão sobre a disponibilidade e o acesso a uma alimentação saudável para toda a população. Temos a oportunidade de uma articulação da política tributária com a política de promoção de um sistema alimentar mais saudável, sustentável e inclusivo para o futuro do nosso país, pensando da produção até o consumo.

 Ao dar um tratamento diferenciado para os alimentos que estão no Guia Alimentar da população brasileira, do Ministério da Saúde — os in natura e minimamente processados, que ficariam isentos de impostos ou pagariam menos impostos, em contraponto aos alimentos ultraprocessados, que teriam a incidência do imposto seletivo adicional —, poderemos desestimular o consumo desses últimos e promover uma justiça tributária até mesmo entre os produtores, já que 77% dos estabelecimentos rurais são de agricultura familiar e pequenos produtores, que são responsáveis pela produção dessa alimentação saudável.

Um estudo do Banco Mundial coloca essa questão no centro da discussão ao demonstrar que as doenças não transmissíveis são responsáveis por mais de 70% das mortes globais, fortemente associadas ao risco alimentar. Outro estudo recente da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) aponta que o custo para lidar com problemas da má nutrição (subnutrição, obesidade, sobrepeso, doenças do coração, doenças renais, diabetes) na América Latina e Caribe é de 6,4% do Produto Interno Bruto (PIB) da região. Por outro lado, fornecer uma alimentação saudável custaria apenas 0,5% do PIB. 

Como pode-se observar, há no Brasil uma série de distorções que vão do campo da produção até o consumo, até efetivamente o alimento chegar ao prato das pessoas. Mas estou convencida de que este é o momento para avaliarmos os caminhos possíveis para enfrentarmos o problema da fome no país e avançarmos no convencimento das nossas autoridades para uma reforma que seja 3 S para o Brasil: solidária, sustentável e saudável.

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postado em 11/10/2024 06:00
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