Cassio Ide Alves — Diretor Técnico-Médico da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge)
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um dos principais desafios postos para a saúde na atualidade, em todo o mundo. Primeiro, porque tem crescido muito nos últimos anos o número de crianças diagnosticadas como autistas. Segundo, porque o transtorno, que afeta o desenvolvimento neurológico, é uma condição permanente — seus sintomas podem ser suavizados, mas não há cura. Em consequência, o tratamento dos casos mais graves também deve ser permanente, demanda infraestrutura específica e equipes multidisciplinares especializadas.
As dificuldades apresentadas começam desde o diagnóstico. Não se trata de uma doença — daí porque é chamado de transtorno. E este se manifesta em uma gama de sintomas relacionados a dificuldades de comunicação e interação social ou a comportamentos repetitivos e interesses restritos. O paciente autista pode apresentar apenas alguns sintomas e outros, não, em graus e combinações variadas. Certos sintomas estão presentes também em outros tipos de transtorno, o que embaralha as cartas e exige cuidado extremo ao fazer o diagnóstico de alguns casos.
O transtorno não é identificado por exames de laboratório, mas por meio da observação do comportamento e do desenvolvimento da pessoa. São importantes também os relatos dos que convivem com ela — pais, cuidadores, educadores. Quando são crianças muito novas, a confirmação do diagnóstico pode demorar meses, pelo menos até a criança completar 2 anos, quando o TEA pode ser diagnosticado com maior grau de segurança.
O padrão-ouro do tratamento para o TEA consiste em estabelecer um plano individualizado de intervenção, levando em consideração as necessidades diagnosticadas. Além do médico, outros especialistas, como fonoaudiólogos, psicólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, podem ser chamados a participar do diagnóstico de deficits de linguagem, de atenção, problemas motores, ansiedade, transtornos obsessivos etc. A partir daí, se estabelece um plano com a aplicação de terapias voltadas a desenvolver o paciente em cada uma das áreas.
Esses cuidados com o diagnóstico e tratamento, infelizmente, nem sempre são observados. É o que verificamos examinando casos que chegam às operadoras de planos de saúde. São frequentes casos em que há prescrição de terapias desconhecidas, que não foram comprovadas com base em evidências científicas: isso foi recentemente alertado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) por meio da consulta pública 98.295/24. Muitas vezes, envolvem jornadas de terapia tão longas que tiram a criança da escola e do convívio familiar, contrariando o que é preconizado por especialistas — ou seja, que o tratamento deve envolver o tripé clínica-família-escola. Causa estranheza também a conduta de certas clínicas que aplicam planos de terapia padronizados, com elevada carga horária, para pacientes com diferentes necessidades.
A multiplicação de situações suspeitas levou as operadoras a promoverem investigações que estão revelando também a existência de esquemas viciados e fraudulentos cujo propósito é turbinar diagnósticos e tratamentos de TEA para obter ganhos ilícitos. Montam planos superdimensionados que são cobrados integralmente, mas realizados apenas parcialmente, se tanto. Quando se deparam com a negativa de cobertura, chegam a patrocinar ações na Justiça, com base em laudos fraudulentos, para obrigar o pagamento por esses "tratamentos".
Essas práticas criminosas representam uma ameaça à saúde e ao futuro das crianças, e é preciso que o poder público intervenha nesse debate. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por sua vez, precisa estabelecer as diretrizes de utilização (DUT) para definir os parâmetros para o tratamento do autismo. Ao mesmo tempo, é necessário fortalecer a ação do sistema de Núcleos de Apoio ao Judiciário (NatJus), constituídos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para combater a judicialização indevida promovida pela "indústria" do autismo. E o Ministério Público e a polícia precisam ser convocados para investigar e combater as práticas criminosas, punindo os responsáveis.
De parte dos planos de saúde associados à Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o que temos visto como reação à demanda crescente de pacientes com TEA é uma corrida para adequar e ampliar redes de atendimento, credenciar prestadores externos, capacitar equipes e ajustar políticas de cuidado. Nesse processo, é necessário conquistar a confiança dos beneficiários, conscientizar os familiares, oferecer a melhor acolhida, pautada pelas melhores práticas clínicas no manejo terapêutico do TEA.
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