Cristovam Buarque — Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
Há mais de 30 anos, a economia brasileira não consegue superar a renda média de US$ 10 mil per capita por ano. O país está prisioneiro dessa armadilha a que se impôs por não tomar as medidas necessárias para dinamizar a economia. A consequência é o baixo nível de renda social para o conjunto da população, forçando sucessivos governos a aumentar a carga fiscal para obter capital necessário ao financiamento dos programas sociais e da infraestrutura econômica. A saída tem sido endividamento público e inflação, que agravam a armadilha. O resultado é que, embora o país já disponha de programas que reduzem a penúria, a pobreza persiste e a concentração de renda se mantém.
Nesse mesmo período, diversos países escaparam da armadilha da renda média e passaram a ter economias produtivas e sociedades sem pobreza e com boa distribuição de renda. O Brasil precisa olhar para esses países. Com esse propósito, na semana passada, o Instituto de Estudos e Pesquisas para fortalecimento da Democracia (IEPfD), com sede em Recife, promoveu debate com os economistas Edmar Bacha, Jorge Jatobá e Sergio C. Buarque, sob coordenação de João Rego. Percebeu-se que a superação da armadilha depende sobretudo de aumentar a produtividade nacional, quanto cada brasileiro produz ao longo de cada ano. Para tanto, é preciso aumentar a capacidade de poupança da sociedade para transformar parte da renda social em investimento produtivo.
O Brasil tem alta preferência pelo consumo e, portanto, baixa taxa de poupança, o que reduz o investimento e freia a capacidade de produção de cada pessoa, mantendo o país preso na armadilha. Essa poupança interna não sendo suficiente, o Brasil precisa de capital externo disponível buscando onde investir. Mas, para exercer essa atração, o país precisa de estabilidade jurídica. Os investidores não são atraídos para economias cujas leis mudam ao sabor da vontade de juízes, parlamentares ou partidos no poder. A democracia é importante para evitar mudanças políticas que oscilam em função da vontade do governo, mas também precisa de leis e regras estáveis. O capital internacional evita países em que as leis mudam conforme o humor dos governantes ou das interpretações dos juízes; no lugar de investimento produtivo que aumentaria a armadilha da renda média, especulam no curto prazo.
Além da estabilidade jurídica, o investidor estrangeiro quer estabilidade social: saber que seus executivos não serão assaltados, que não vão exigir salários que compensem o risco de viver nas cidades brasileiras, ou o custo de viver em condomínios fechados, de contratar seguranças, usar carros blindados. O investidor estrangeiro também quer que seus trabalhadores saibam a hora de sair de casa e de chegar ao trabalho em transporte público eficiente, morando em casas com saneamento que evita doenças por insalubridade. Para sair da armadilha da renda média, o investidor precisa que o Brasil faça seu dever de casa no setor social. Já não há como atrair investimento com base na escravidão ou na apartação. Ao mesmo tempo, o Brasil precisa sair do binômio assistência-aos-pobres e proteção-aos-ricos, incentivando a capacidade de concorrência conforme o talento e vocação de cada pessoa.
O mais importante vetor para livrar o Brasil da armadilha da renda média é a educação de base com qualidade para todos. Uma amarra do Brasil está em que a teoria econômica que usamos não vê a educação de base do povo como vetor do progresso. Esquerda e direita veem a educação de base como um serviço social, não como recurso econômico. A educação de qualidade para todos não é vista como um fator de produção: todos lendo e entendendo português, fluente em pelo menos um idioma estrangeiro, conhecendo as bases da matemática, ciências, história, geografia, filosofia, assuntos internacionais, dispondo da habilidade e conhecimento de um ofício profissional.
O Brasil não apenas está na armadilha da renda média, que não avança. O Brasil optou pela armadilha da renda média e não parece querer livrar-se dela com estabilidade jurídica, um sistema de educação de base com qualidade e equidade, tampouco abrir suas fronteiras para disputar eficiência no mundo, reduzir a preferência pelo consumo e aumentar a poupança, promover incentivos ao empreendedorismo e ao talento.
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