Rachel Quintiliano — Jornalista, ativista e membro-fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do DF
Um dos princípios da democracia é a participação e o equilíbrio entre os poderes no Estado Democrático de Direito. Isso significa que assegurar a participação com voz, escuta e voto dos diferentes grupos que compõem nossa sociedade é fundamental para a boa saúde da jovem democracia brasileira.
Apesar de essa ser uma compreensão muito difundida e até defendida, especialmente na atualidade, a sub-representatividade de alguns grupos como mulheres e pessoas negras nos processos participativos é alarmante, assim como em toda a sociedade brasileira.
Seguindo as discussões nacionais e internacionais sobre a agenda de direitos humanos, cujo marco importante foi a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, realizada em Pequim em 1995, a equidade de gênero tornou-se uma questão central. Esse evento destacou a importância de promover a igualdade de direitos entre homens e mulheres em diversas esferas e espaços.
Para estimular ou promover essa equidade, o Brasil, por meio da Lei nº 9.504/1997, determinou que os partidos políticos assegurem um mínimo de 30% e um máximo de 70% de candidaturas para cada sexo (gênero) nas eleições. Essa medida visa garantir maior participação feminina na política e contribuir para a redução das desigualdades entre homens e mulheres no ambiente eleitoral.
Entretanto, mesmo com políticas afirmativas, a maioria dos partidos políticos do país enfrenta ou cria obstáculos para cumprir a cota mínima de candidaturas femininas, ou alcançar um número expressivo de pessoas negras que seja representativo da realidade brasileira, no montante de candidaturas. O resultado disso é a baixa representação no momento das eleições e, depois, nas posses, os atos que concretizam oficialmente quem assume o Executivo e espaços parlamentares.
Conforme os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre as eleições de 2024, neste ano, 463 mil pessoas se registraram e tiveram suas candidaturas aprovadas pelo Tribunal para a disputa de cargos nas prefeituras e câmara de vereadores Brasil afora. Em um país de dimensões continentais e de ampla diversidade de identidade e cultura, em que mais da metade da população é feminina e negra (preta e parda), por exemplo, esperava-se que o número de concorrentes ao Poder Executivo em 2024, no terceiro milênio, pudesse ser mais equitativo. Infelizmente, não é.
Para conduzir as prefeituras pelos próximos quatro anos, das mais de 15,5 mil pessoas inscritas, apenas 15% são do gênero feminino. Isso significa que, mesmo que todas vençam o pleito em outubro deste ano, o que não parece factível, apenas 853 prefeituras (15%) das mais de 5.570 mil cidades brasileiras poderão ser governadas por mulheres.
A maioria dessas candidatas tem entre 45 e 49 anos, assim como os homens. Dentro dessa faixa etária, as mulheres brancas representam 56,38%, enquanto as negras (pretas e pardas), 42,55%. Diferenças também podem ser notadas entre homens, mulheres, brancos e negros quando se observam os dados do tribunal sobre grau de instrução e ocupação, o que denota que ainda existe uma longa estrada rumo a equidade no país. Para o cargo de vereador/a, existe um pouco mais de paridade de gênero: feminino (35%) e masculino (65%), contudo, algo ainda muito distante da igualdade.
Para além dos fatos que os dados do TSE escancaram, é sabido que determinadas pautas, especialmente aquelas relacionadas aos direitos humanos em geral e, especificamente, sobre os direitos sexuais, reprodutivos e das mulheres, vêm sofrendo sistematicamente desafios nas discussões, projetos de lei e políticas públicas que tramitam/estão em execução tanto no poder Legislativo quanto no Executivo.
Uma maior presença de mulheres não garante automaticamente avanços nessas agendas, assim como a presença de pessoas negras, como inclusive podemos ver em outros países, como os Estados Unidos. A despeito disso, ainda acredito que, só com mais diversidade, pontos de vista variados e a presença de mulheres, pessoas negras, indígenas e outros grupos sub-representados e sistematicamente vulnerabilizados no Brasil desde os tempos da colônia, esse cenário pode ser transformado, rumo ao desenvolvimento equitativo e sustentável do país.
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