Eleições 2024

Anatomia das desigualdades nas eleições

As mulheres e os homens negros, que podem ser o contraponto à ausência do debate social e racial nas propostas, têm sido submetidos a arranjos do sistema político partidário que dificultam suas campanhas

Maurenilson Freire -  (crédito: PRI-0210-opin)
Maurenilson Freire - (crédito: PRI-0210-opin)

EDUARDO PEREIRA NUNES — Conselheiro do Cedra, economista, doutor em ciência econômica e professor da Universidade Cândido Mendes. Foi presidente do IBGE e WANIA SANT'ANNA — Conselheira do Cedra, historiadora e pesquisadora de relações raciais e de gênero. É presidenta do Conselho de Governança do Ibase

Questões cruciais para a melhoria da qualidade de vida da população brasileira estão em jogo em uma eleição municipal. Pessoas candidatas às prefeituras e às câmaras de vereadores têm a oportunidade e a responsabilidade de propor soluções nas áreas de mobilidade urbana, saúde, assistência social, educação e habitação, entre tantas outras que estão sob a gestão do município. Nesse contexto, é fundamental que as políticas públicas tenham como premissa a redução das desigualdades sociais, sobretudo as raciais.

É nas cidades que os impactos das disparidades se refletem nas condições de vida da população negra, a mais afetada pelas situações cotidianas de discriminação. De acordo com os estudos produzidos pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra), os abismos sociais entre negros e brancos começam ainda na gestação, no pré-natal, e são perpetuados ao longo da vida, dificultando o acesso ao trabalho digno, à moradia apropriada e à educação de qualidade.

Frente a esse cenário de disparidade social e racial é preciso que os recursos e as políticas públicas priorizem famílias e comunidades predominantemente negras do país. O processo eleitoral 2024 está impactado por um debate político medíocre que polariza e desqualifica o processo democrático. As propostas necessárias ficam em segundo plano, perpetuando métodos históricos de clientelismo que, na prática, inviabilizam agendas progressistas e verdadeiramente comprometidas com a inclusão social, plena defesa e promoção dos direitos humanos e o enfrentamento ao racismo e a outras formas de discriminação.

Por esses motivos, chama atenção o fato de poucas candidaturas enfatizarem propostas, políticas públicas e estratégias para a redução das desigualdades raciais, o principal entrave ao desenvolvimento e à justiça social. Dessa forma, bilhões de reais serão gastos nas eleições, mas a vulnerabilidade da população negra persistirá. Por outro lado, as mulheres e os homens negros, na política, que podem ser o contraponto à ausência do debate social e racial nas propostas, têm sido submetidos a arranjos do sistema político partidário que dificultam suas campanhas e candidaturas. Um exemplo dessa realidade está em curso nesta eleição.

Menos de 24 horas antes do início das campanhas (16 de agosto), os partidos aprovaram, em imensa maioria, a anistia ao descumprimento da Lei Eleitoral, a PEC 9/2023, que destinava cotas de recursos às candidaturas de mulheres e pessoas negras. Com isso, impuseram um retrocesso e a retirada de quase R$ 1 bilhão para essas candidaturas no processo eleitoral de 2024.

Mesmo em maioria, os candidatos negros receberam, até o fim de setembro, 38,63% dos recursos declarados, segundo a plataforma 72horas.org. Dessa forma, a representatividade de gênero e racial nas eleições municipais deste ano partem de um quadro objetivo de vulnerabilidade e de competição desigual. São vozes abafadas! Sem recursos, os esforços de divulgação de suas campanhas e propostas dependem do "corpo a corpo", o que é um árduo trabalho de construção em meio à avalanche de recursos direcionados aos marqueteiros e às redes sociais.

O resultado desse perverso processo eleitoral de 2024 será, mais uma vez, a subrepresentação das mulheres negras. Segundo levantamento do Observatório Brasileiro das Desigualdades, nas últimas eleições municipais (2020), apenas 12% das prefeituras tiveram mulheres eleitas para o Poder Executivo, das quais somente 4% eram negras. Já nas câmaras municipais, só 16% das vagas foram ocupadas por mulheres, sendo apenas 6% mulheres negras.

O Brasil é o país das pirâmides invertidas! A maior parte da população é jovem. A maioria é negra. Domicílios com pessoas negras são maioria. As mulheres negras são responsáveis pelas moradias de menor renda domiciliar. No entanto, na escala eleitoral, essa parcela majoritária da população não é particularmente apontada como grupo que mereça atenção especial às suas necessidades e interesses. 

Na esteira do descaso, as interdições e ínfima destinação de recursos às campanhas publicamente comprometidas com a mudança completam o cenário de vulnerabilidade de nossa democracia. Ou seja, resultados de baixa representação de pessoas negras em prefeituras e câmaras de vereadores não são fruto do acaso, são projetos políticos de longo curso. Até quando?

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postado em 02/10/2024 06:00
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