Em cada grupo de 10 pessoas, duas terão pelo menos um câncer durante a vida, indicam os estudos científicos recentes. Um número expressivo desses pacientes será acometido por tumor maligno na mama. A doença está entre os cânceres mais incidentes no mundo, perdendo apenas para o de pulmão — 11,5% e 12,4% dos casos oncológicos em 2022, respectivamente, segundo o Observatório Global do Câncer. O Brasil, também ocupa a segunda colocação nos diagnósticos (10,5%), atrás do câncer de pele não melanoma (31,3%), de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). E, como acontece com boa parte dos quadros de saúde complexos desse país, não é tratada como deveria.
A falta de informação ao longo do tratamento é uma das dificuldades enfrentadas pelas pacientes e tema da campanha que a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) conduzirá neste Outubro Rosa. Há, por exemplo, uma lista de direitos que é desconhecida por pacientes oncológicos e não respeitada pelo poder público. Reconstrução mamária, acesso à mamografia a partir dos 40 anos e tratamento em até 60 dias pelo Sistema Único de Saúde (SUS) estão entre os procedimentos previstos em lei, mas que não fazem parte da realidade e do repertório de muitas brasileiras.
Dados mais atualizados do Ministério da Saúde indicam que, em 2022, mais da metade dos casos de câncer de mama, 56,3%, começou a ser tratada depois de 60 dias do diagnóstico, desobedecendo à Lei nº 12.732 de 2012. A porcentagem praticamente se manteve de 2019 a 2022, revelando uma desassistência sistêmica com uma condição de ameaça à vida e cujo agravamento também tem impactos nos cofres públicos. Levantamento da Fiocruz indica que os gastos com tratamentos oncológicos no SUS somaram R$ 4 bilhões em 2002, 14% a mais do que em 2020.
Quanto à realização de mamografias, a cobertura no país é de cerca de 20% do público-alvo, muito abaixo dos 70% recomendados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM). Entidades ligadas à doença alertam que a média é menor entre mulheres jovens, e esse cenário desperta ainda mais preocupação porque o país enfrenta um aumento de casos da doença antes dos 50 anos. A SBM calcula que a incidência atual de câncer de mama em pessoas com menos de 35 anos é de 5%. Durante muito tempo, foi de 2%.
Entra aí um outro ponto em que se perde a oportunidade de preservar vidas e melhorar o uso do capital público. Os casos precoces da doença estão relacionados principalmente ao estilo de vida — portanto, podem ser evitados ou melhor manejados. O sedentarismo é um deles, assim como a redução no número de filhos e a gestação tardia. Bem orientadas, mulheres com perfis mais vulneráveis tendem a adotar hábitos que reduzam o risco de ocorrência da doença.
Não se trata de individualizar a responsabilidade pelo enfrentamento do câncer. Ao contrário, a educação em saúde precisa caminhar com uma estrutura institucional que responda às demandas apresentadas pelos indivíduos. Há de se ter assistência pública que auxilie a perda de peso, o controle da dependência química e que, na outra ponta, atenda à mulher que reivindica o seu direito de uma cirurgia para a reconstrução da mama — mais de 20 mil estão na fila de espera pelo procedimento no SUS, mostra o último levantamento do governo.
Vale lembrar que a realidade também é dificultosa para usuárias do sistema privado de saúde. Basta lembrar a recente onda de rescisões unilaterais de contratos que prejudicou clientes idosos, faixa etária com alta incidência de tumores. A prática das operadoras mobilizou o Congresso, que promete votar novas regras para o setor ainda neste semestre.
É certo que, neste mês, o câncer de mama será pauta em lugares diversos, mobilizando pacientes, profissionais de saúde e também autoridades. Prédios, inclusive os públicos, serão pintados de rosa para ressaltar a importância de melhorar o combate à doença. Não há dúvidas de que se trata de um grande desafio de saúde pública. Merece, portanto, uma estrutura de suporte à altura.
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