Apostas on-line

A porta do inferno

No Brasil, entregaram o negócio do jogo para um punhado de pessoas que operam fora do país, contratam um ou dois funcionários e vivem da publicidade nas redes sociais. Fazem muito dinheiro e gastam quase nada

Amigo meu, dono de comércio, comentou que, nos últimos meses, seu movimento caiu sem qualquer explicação razoável. Ele procurou colegas de atividade e descobriu, surpreso, que os grandes estabelecimentos de varejo também apresentaram quedas nos seus números de comercialização em tempos recentes. De novo, nenhuma explicação razoável. Depois de muita discussão e conversa, descobriu-se que o vilão é o sistema de apostas on-line, que invadiu os lares de todo o Brasil, prometendo milhões de reais para quem apostar bastante. O convite vem pela televisão, pelas redes sociais, e sua operação ocorre por intermédio do celular. 

Os parlamentares, de governo e oposição, que agora questionam a existência dessa loteria, votaram em peso a favor do projeto de lei que definiu os termos das legalizações para as apostas on-line ano passado. A regulamentação desse mercado é responsabilidade do Ministério da Fazenda. Neste momento, essas empresas, se assim puderem ser qualificadas, trabalham em completa liberdade. Não há qualquer regulamentação. E o governo, como sempre, está preocupado apenas em arrecadar mais. A regulamentação entrará em vigor no próximo ano.

A descoberta dessa verdadeira sangria na economia nacional levou a Confederação Nacional do Comércio (CNC) a ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalidade para contestar a Lei n º 14.790/23, a lei das bets. Seus advogados argumentam que a legislação que regulamenta as apostas no Brasil causa graves impactos sociais e econômicos. Solicitam decisão liminar até que o mérito seja analisado. Estudo da CNC apurou que mais de 1,3 milhão de brasileiros já se encontram inadimplentes devido às apostas em cassinos on-line. 

Até mesmo integrantes do PT dizem, agora, terem subestimado efeitos negativos e o alcance desse mercado nas contas dos brasileiros. Apesar disso, as bets são liberadas no país desde 2018, por meio de lei, e o jogo se desenvolve desde então, com televisões e redes sociais veiculando propagandas de apostas. A lei que liberou as bets no Brasil foi aprovada no governo Michel Temer (MDB), o governo de Jair Bolsonaro (PL) deveria ter regulamentado o mercado, mas não o fez. No ano passado, o governo Lula editou uma medida provisória sobre o tema, a partir dele, o projeto de lei passou a ser discutido no Congresso.

Na votação ocorrida na Câmara dos Deputados, em setembro de 2023, o texto, que contemplou a proposta do governo, foi aprovado simbolicamente. Apenas parlamentares do PSol  e do Novo foram contrários. A principal mudança na Câmara foi a inclusão de jogos on-line, que não constavam no texto original do governo. No Senado, em dezembro do ano passado, o texto- base também foi votado simbolicamente, mas dois destaques foram aprovados e o tema voltou à Câmara. Na última sessão do ano, a Casa aprovou por 292 votos favoráveis e 114 contrários. Somente a oposição e a minoria orientaram contra o texto.

Os dados mais recentes sobre o mercado de apostas mostram que o volume em 2024 supera as projeções de referência usadas pelo Ministério da Fazenda. O Banco Central revelou que o brasileiro destinou, via Pix, entre R$ 18 e R$ 21 bilhões mensais em apostas de janeiro a agosto. O total no ano é de R$ 166 bilhões. 

A presidente do PT, a deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), diz que é necessário analisar o tema ainda neste ano. Segundo ela, é preciso fazer uma "avaliação crítica" do que ocorreu. "Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar", diz ela.

Esse é o pior dos mundos para quem lida com jogos de azar. No mundo inteiro, os cassinos são fortemente regulados e fiscalizados. Ninguém se atreve a lavar dinheiro em Las Vegas, porque o autor e o cassino serão descobertos e punidos severamente. Além disso, os cassinos, nos Estados Unidos, pagam tributo aos índios. É a maneira norte-americana de manter as populações originárias. Cassino significa emprego. Seu proprietário tem que construir uma sede, contratar garçons, seguranças, especialistas em contabilidade e uma série de artistas de todos os tipos e tamanhos. Quem quer ver um bom show deve ir lá. É bom, relativamente barato e os hotéis são ótimos. Tudo gira em torno do jogo. 

No Brasil, entregaram o negócio do jogo para um punhado de pessoas que operam fora do país, associadas a jogadores de futebol, contratam um ou dois funcionários, compram um sistema na internet e vivem da publicidade nas redes sociais. Fazem muito dinheiro e gastam quase nada no país. Neste momento, não pagam nem imposto. É medida de uma insensatez inimaginável. Melhor legalizar os cassinos. Pagam impostos e criam empregos.

 

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