» Denilde Holzhacker, Diretora de Pesquisa e Pós-graduação stricto sensu da ESPM.
Em 2023, o Itamaraty celebrou o "ano da reconstrução da política externa", em que o Brasil passou a novamente ser ouvido nos grandes fóruns globais. Sob a retomada da diplomacia presidencial, o país assumiu a presidência do G20, voltou à mesa do G7, presidiu o Mercosul, sediou a 1ª Cúpula da Amazônia e foi escolhido para sediar a COP-30 em Belém. O Brasil parecia pronto para retomar seu protagonismo internacional e influenciar discussões globais sobre segurança internacional, clima, desenvolvimento e comércio.
Porém, as ambições do governo brasileiro, de retomar o protagonismo e ser um porta-voz do Sul Global, enfrentaram dificuldades de concretização. A expectativa de que o Brasil pudesse desempenhar um papel central nas negociações globais não se realizou plenamente. Em vez disso, a percepção em 2024 é de que posicionamentos, por vezes ambíguos, têm diminuído o capital diplomático e o soft power brasileiro.
O governo brasileiro enfrentou críticas sobre suas posições em relação a conflitos globais, como a guerra entre Ucrânia e Rússia, o conflito Israel-Gaza e a situação política na Venezuela. A crítica de Zelensky ao Brasil, durante seu discurso na tribuna das Nações Unidas, na semana passada, reforçou a visão de que o país não tem desempenhado um papel central nas grandes crises globais. Ao contrário, o Brasil passou a ser visto, em certos círculos, como um ator secundário, com menos relevância do que se previa no início do governo Lula. A criação do grupo da paz, iniciativa de Brasil e China que teve adesão de outros países, é uma nova investida diplomática para colocar o Brasil no debate na busca de solução ao conflito.
No caso da Venezuela, as críticas se intensificaram após as eleições no país vizinho, expondo fragilidades na estratégia de liderança regional. As soluções propostas por Brasília não conseguiram alterar o curso cada vez mais autoritário do governo Maduro. Sendo o problema estratégico mais relevante da agenda regional, a crise venezuelana testa a capacidade brasileira de exercer sua liderança, especialmente em termos de sua visão para solução de conflitos e apoio à democracia.
A proposta apresentada pelo governo brasileiro em Nova York, da necessidade de uma ação global no combate aos fatores que enfraquecem as instituições democráticas, suscitou ressalvas, já que não veio acompanhada de uma condenação explícita às situações na Venezuela, Nicarágua ou Rússia. Essa defesa seletiva de regimes enfraquece a imagem do Brasil como um porta-voz comprometido com a defesa da democracia contra extremismos e ações que corroem as instituições.
O discurso de Lula na abertura da Assembleia Geral da ONU, no último dia 24, pode ser entendido como um manifesto em prol de uma ordem internacional mais cooperativa. Contudo, essa mensagem esbarra nos impasses atuais. Apesar do reconhecimento generalizado de que as organizações multilaterais não conseguem responder aos desafios de um ambiente de policrises, as grandes potências têm preferido arranjos informais e alianças ad hoc. A reunião dos membros do Quad (Estados Unidos, Japão, Alemanha e Índia) exemplifica uma cooperação que ocorre à margem das grandes arenas multilaterais. Ao contrário do Brasil, a Índia, que mantém proximidade tanto com a Rússia quanto com os Estados Unidos, tem se destacado como uma interlocutora estratégica em diferentes fóruns de negociação.
Apesar desses desafios, o governo tem oportunidades de exercer um papel relevante na arena internacional. A presidência do G20 oferece uma chance para o Brasil destacar-se como mediador de consensos globais. Além disso, a COP-30, em 2025, será um teste crucial para o país mostrar sua liderança nas discussões ambientais, uma das áreas em que o país pode ter um impacto positivo. No entanto, sem avanços concretos nas políticas internas de desenvolvimento e sustentabilidade, o risco é de que essas oportunidades sejam, mais uma vez, limitadas ao campo da retórica.
A política externa brasileira ainda não conseguiu atingir as altas expectativas estabelecidas em 2023. O diagnóstico do governo Lula sobre a necessidade de uma reforma das instituições multilaterais reflete os princípios históricos do Itamaraty. Embora com ambições legítimas, o governo precisa ajustar sua estratégia para não perder as oportunidades e conseguir se posicionar em um cenário de fragmentação e competição global.
As lições da história diplomática brasileira indicam que, para o país superar as percepções críticas e ter um papel relevante nas novas configurações da ordem internacional, será necessário mais do que discursos e boas intenções. O tempo de ajustes na estratégia do governo para garantir maior prestígio e protagonismo pode estar se esgotando.