Equidade

Setembro Surdo: equidade como postulado básico para uma inclusão efetiva

Se a inclusão de surdos na universidade já se tornou uma realidade concreta, atuar pela promoção da equidade para a garantia dos direitos e da cidadania da pessoa surda no contexto educacional é urgente

» Rozana Reigota Naves, Professora do Instituto de Letras e reitora eleita da Universidade de Brasília (UnB).

O mês de setembro tradicionalmente marca a visibilidade da luta da comunidade surda por inclusão. Em particular, três datas traduzem esse movimento: 23 de setembro, Dia Internacional da Língua de Sinais; 26 de setembro, Dia Nacional do Surdo, coincidindo com o aniversário de fundação da primeira escola de surdos no Brasil (atualmente, o Instituto Nacional de Educação de Surdos — Ines); e 30 de setembro, Dia Internacional do Surdo e do Profissional Tradutor e Intérprete.

Os avanços no campo da educação de surdos após a promulgação da Lei nº 10.436/2002 e de sua regulamentação pelo Decreto nº 5.626/2005 são visíveis. Essas normas reconhecem a língua de sinais brasileira (Libras) como meio legal de comunicação e expressão das pessoas surdas, assegurando o uso da Libras no atendimento a surdos pelo Poder Público e a sua inclusão nos currículos dos cursos de licenciatura, pedagogia e fonoaudiologia, além de regulamentar a formação do profissional intérprete.

A Lei de Libras constitui, portanto, o marco regulatório a partir do qual houve significativo impulso às políticas de inclusão de surdos na educação. A formação de professores por meio da criação de cursos de pedagogia bilíngue e de letras-Libras em várias partes do país, a contratação de intérpretes pelas instituições de educação superior e por órgãos da administração pública, a política de cotas para a pessoa com deficiência no ingresso dos cursos de graduação, entre outras medidas, têm sido importantes para promover o acesso dos surdos à universidade.

Ações afirmativas dessa natureza, somadas à vanguarda da Universidade de Brasília nas pesquisas sobre esse tema, tornaram a UnB um espaço diverso, plural e inclusivo no que se refere à presença ativa e atuante da comunidade surda, representada principalmente no seu corpo docente e discente. Essa realidade exige, contudo, um compromisso institucional com a ampliação e a consolidação das políticas de diversidade, de acessibilidade e de direitos humanos, como forma de incrementar constantemente as condições de permanência e a garantia de direitos das pessoas surdas no ambiente universitário.

O programa escolhido pela comunidade para a próxima gestão da UnB apresenta, como um dos seus eixos estruturantes, a equidade como sendo o postulado básico de uma universidade inclusiva, plural, diversa e intercultural. Essa comunidade ousou imaginar e defender a promoção da equidade por meio da implementação de práticas de educação e de gestão antirracistas, antissexistas e anticapacitistas, na busca da coexistência respeitosa e do fortalecimento da sensação de pertencimento à universidade.

Alcançar esse ideal implica, de um lado, um trabalho político junto ao Poder Executivo e ao Poder Legislativo para ampliar e fortalecer os cursos de graduação bilíngues (Libras-português), tanto no campo da pedagogia quanto das letras, e para reverter a extinção do cargo de tradutor intérprete de Libras resultante da vedação da abertura de concurso público e do provimento de vagas para esse cargo no âmbito do Decreto nº 10.185/2019. De outro lado, implica também implementar, internamente à universidade, uma política de acessibilidade linguística que possibilite eliminar as barreiras existentes para a inclusão efetiva dos surdos e surdocegos nas atividades acadêmicas e administrativas da UnB, nos seus quatro campi, e reconhecer o valor do trabalho dos profissionais intérpretes de Libras para assegurar a acessibilidade linguística de surdos às diferentes áreas do conhecimento.

Se a inclusão de surdos na universidade já se tornou uma realidade concreta, atuar pela promoção da equidade para a garantia dos direitos e da cidadania da pessoa surda no contexto educacional é urgente e traduz o senso de justiça que reconhece as características individuais e as demandas específicas dessas pessoas. E, claro, a participação dos surdos, enquanto sujeitos de direito, na proposição, discussão e implementação das políticas que lhes dizem respeito é fundamental. 

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