Cada geração tem um bicho-papão para chamar de seu. Os nascidos entre 1964 e 1981 estão espremidos entre os lendários baby boomers e os polêmicos millennials. Somos os X, que, se perdemos a efervescência cultural das décadas de 1960 e 1970, tivemos o privilégio de sermos crianças nos anos 1980. Mas a infância, naquele tempo, não era feita só de He-Man, ET, Ferrorama e festinhas de garagem. Em plena Guerra Fria, morríamos de medo do famoso botão que, a qualquer momento, acionaria a bomba atômica, lançando a Terra pelos ares.
Meus pesadelos infantis eram geralmente compostos pelo dedão do presidente Ronald Reagan, por batalhas nas Malvinas e pela voz do Cid Moreira relatando os horrores da guerra Irã-Iraque. Na esteira do cinema catástrofe dos anos 1970, um filme, cujo nome não me lembro, retratou a pós-hecatombe nuclear, quando as poucas coisas que sobraram da Terra, como árvores, flores e borboletas, eram exibidas nos museus.
Hoje, quem ameaça puxar o pé das crianças é a mudança climática. Um estudo publicado na revista The Lancet Planetary Health com 10 mil meninos e meninas de 10 países mostrou que 67% deles sentem-se tristes e com medo dos efeitos do aquecimento global e da perda de biodiversidade. Já 62% admitiram que o tema as deixam ansiosas — 67%, entre os brasileiros. Nas Filipinas e na Índia, 74% sofrem os impactos do clima em seu dia a dia. A esperança, sentimento tão associado à infância, parece perdida: 75% de todos os participantes acreditam que o planeta está condenado.
Para pais, professores e psicólogos, deve ser muito difícil ensinar os pequenos a lidar com a ansiedade climática, também chamada de "ecoansiedade". O termo foi cunhado no fim dos anos 2000 e, hoje, é tema de pesquisas acadêmicas. Não só as crianças, claro, sofrem desse mal. O "medo crônico da catástrofe ambiental" (definição da Associação Norte-Americana de Psicologia) afeta também os crescidos: 59% da população mundial, segundo outro artigo, publicado na Lancet, está 'muito" ou "extremamente" preocupada" com a destruição gradativa da Terra.
Diferentemente do fantasma do armário ou do que vive debaixo da cama, o monstro da catástrofe ambiental existe e pode ser sentido o tempo inteiro — ultimamente, pairando no ar irrespirável do Distrito Federal e em outras partes do Brasil. Conheço várias pessoas que temeram colapsar quando o incêndio — provavelmente criminoso, segundo a Polícia Federal — consumiu o Parque Nacional de Brasília.
Como explicar para as crianças que interesses econômicos se sobrepõem ao conhecimento científico; que os líderes mundiais sabem o que precisa ser feito para garantir a elas um cenário futuro menos catastrófico, mas que, ainda assim, eles continuam apertando o botão do fim do mundo?
No filme que citei, um casal conseguia escapar do ambiente artificial controlado e chegava a uma praia rodeada por árvores. O fim queria se fazer esperançoso: uma nova Eva e um novo Adão para recomeçar o Paraíso. Confesso que, quando assisti ao filme, não foi essa a sensação que tive. Ao ver dois humanos saindo do barquinho, foi inevitável pensar: "Vão destruir tudo de novo".