Lúcia Teixeira — Doutora em psicologia da educação e presidente do Semesp, entidade que representa instituições de ensino superior do Brasil
O Brasil enfrenta um debate em relação à qualidade da educação a distância (EaD) e existem algumas constatações que precisam ser equacionadas no marco conceitual do ensino superior para que a questão possa resultar em benefício efetivo para o país.
A primeira delas é que a maioria da população que almeja ingressar no ensino acadêmico não consegue ter acesso devido ao limitado número de vagas oferecidas pelas universidades públicas e por não ter poder aquisitivo para arcar com os custos das mensalidades dos cursos presenciais. A segunda é que nem o aprendizado presencial nem a EaD são inerentemente bons ou ruins. Existem diferentes maneiras de adoção das duas modalidades e há uma gama de opções para satisfazer as necessidades de um contingente diversificado de estudantes, incluindo aqueles que não foram bem atendidos pela aprendizagem presencial no passado.
A terceira é que a qualidade da educação a distância engloba aspectos que influenciam diretamente a experiência educacional do aluno a partir da adoção de modelos que considerem, por exemplo, as diversas perspectivas de presencialidade, os tipos de entrega de atividades síncronas e assíncronas, a caracterização da carga horária e do curso, os recursos tecnológicos e didáticos, o papel dos polos e o grau de satisfação, empregabilidade, engajamento e segurança do aluno proporcionado pelo ambiente digital.
Neste momento, está mais do que evidenciado que a EaD, com mensalidades muito baixas, possibilita o aumento do acesso sobretudo para pessoas com 30 anos ou mais de idade, e que essa redução de mensalidades e custos não pode prejudicar a qualidade. Portanto, o que deveria orientar o debate não é a metodologia de educação a distância, mas, sim, a definição do conceito de qualidade da EAD, a sua interatividade e, principalmente, a revisão dos instrumentos de avaliação capazes de aferir esses atributos.
É imperioso lembrar que os resultados das avaliações in loco e os indicadores calculados a partir do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) não parecem mais ser suficientes para responder se os cursos têm ou não qualidade. Em virtude das deficiências formativas dos alunos oriundos do ensino básico, sobretudo da rede pública, as instituições de ensino superior sempre realizaram, por meio dos seus projetos pedagógicos e de seus professores, um enorme esforço para capacitar e nivelar os alunos ingressantes nessas condições a uma realidade de formação de nível superior, além de promover o engajamento desses estudantes.
Um modelo de ensino baseado em aulas assíncronas, com menor acompanhamento pedagógico, seria capaz de suprir as deficiências dos alunos ingressantes? Considerando que a maioria dos alunos da EaD está na faixa etária acima de 30 anos — ou seja, está há mais tempo distantes do ensino médio —, pode ser ainda mais complexo responder a essa questão.
É preciso considerar que, no contexto contemporâneo do ensino superior, especialmente com o avanço das tecnologias digitais, os cursos a distância assumem um papel crucial na democratização do acesso à educação e potencializam o ensino superior, multiplicando as possibilidades de oferta. A utilização da tecnologia e a adoção da EaD ampliam o leque de modelos de aprendizagem, permitindo um olhar personalizado que respeite as características individuais de cada estudante. Ambas são capazes de multiplicar as trilhas formativas, respeitar os diferentes ritmos de aprendizagem e conectar os estudantes sem a barreira da distância. Isso, sem dúvida, é evolução, é melhoria de qualidade na formação.
Um ponto de observação importante é que, apesar do forte crescimento da EaD nos últimos 10 anos, o percentual de jovens matriculados no ensino superior não avança. Considerando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e do Censo da Educação Superior, o percentual em 2018 era de 18%, e em 2022 chegou a apenas 18,9%.
Está claro que, além do debate sobre a qualidade da EaD, é preciso entender que esse modelo não atrai o público mais jovem e que apenas continuamos a perpetuar a exclusão da grande maioria dos alunos carentes ao ensino superior. A escassez de políticas públicas com programas de auxílio estudantil e de bolsas aos que não podem pagar ou até mesmo a não aplicação das poucas já existentes aumentam a dimensão das questões inerentes ao tema.
Um Grupo de Trabalho criado pelo Semesp, integrado por especialistas que atuam em renomadas instituições ensino superior, acaba de enviar para a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) do Ministério da Educação (MEC) um documento contendo uma análise aprofundada das dimensões da qualidade para cursos de EaD, com o objetivo de auxiliar na compreensão e criação de um novo arcabouço legal para a educação a distância no Brasil.
Temos que considerar toda essa série de aspectos ao avaliarmos o papel crucial assumido pela EaD na democratização do acesso à educação superior no país, para que as consequências do debate sobre o assunto não sejam ainda mais drásticas para o desenvolvimento do ensino superior brasileiro.
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