Uma das minhas tias-bisavós morava no Rio de Janeiro quando eclodiu a pior praga que a humanidade já havia enfrentado desde a Peste Negra, que exterminou mais da metade da Europa na Idade Média. Era 1918 e o mundo em guerra se via devastado por um vírus que, segundo estimativas, infectou 500 milhões de pessoas — na época, um quarto da população mundial.
A gripe espanhola — que, apesar do nome, teve o primeiro caso registrado nos Estados Unidos — foi causada por um subtipo do vírus da influenza H1N1. Ele voltaria em 2009, provocando a chamada "gripe suína", nem de longe tão grave quanto na aparição inaugural. As memórias da minha tia-bisavó eram pavorosas: todo mundo trancado dentro de casa por tempo indeterminado. Nas ruas, empilhavam-se corpos, porque não havia onde enterrá-los. Quando eu ouvia minha mãe contando essa história de família, a possibilidade de uma gripe parar o mundo e fornecer cenas dantescas me parecia infinitamente distante. Mal sabia que, em 2020, testemunharíamos tudo isso. Inclusive, os corpos empilhados.
A pandemia de covid-19 nos lembrou de que, por mais avançados tecnologicamente, não estamos imunes a um organismo de 120 nanômetros — o equivalente a 1mm dividido por 8,3 mil partes. Uma das constatações mais bizarras sobre essa crise sanitária é a de que ela podia ter sido evitada. Há décadas infectologistas alertavam para o risco de uma zoonose — doença que passa de um animal para o humano — eclodir.
Os cientistas não têm bolas de cristal, mas sabem que a natureza selvagem tem sido cada vez mais depredada e invadida pela humanidade, expondo-nos a microrganismos que sequer podemos imaginar existir. Desmatamento, caça ilegal, destruição de habitats são os principais ingredientes para uma pandemia.
Recentemente, um artigo publicado na revista científica Nature alertou: o próximo grande inimigo provavelmente surgirá das fazendas de animais para a indústria da pele. Raposas, guaxinins, martas e outras espécies do gênero Mustela, conhecidos popularmente como visons, são criados nesses locais apenas para serem abatidos e terem suas peles usadas por madames e senhores de "fino trato" que acham muito chique sair por aí com um cadáver enrolado no pescoço ou na cabeça.
Os cientistas alegam que esses animais são reservatórios virais prontos para migrar para o organismo humano, com drásticas consequências. No artigo, uma equipe australiana descreve uma gama variada de microrganismos ainda desconhecidos detectados nas amostras investigadas. A indústria da pele concentra-se especialmente na Europa e na China, com produção anual, respectivamente, de 39 milhões e 26 milhões de peças.
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