ARTIGO

A lista tríplice e a autonomia das universidades federais brasileiras

Dentre os vários entraves existentes para que as universidades federais alcancem de fato a autonomia, está o atual processo de escolha de reitores nas universidades federais

MÁRCIA ABRAHÃO, reitora da Universidade de Brasília (UnB)

A autonomia universitária inscrita no artigo 207 da Constituição brasileira é um dos pilares fundamentais para a construção de um ambiente acadêmico verdadeiramente democrático, inclusivo e capaz de promover a pluralidade de ideias e a liberdade de expressão. Dentre os vários entraves existentes para que as universidades federais alcancem de fato a autonomia, está o atual processo de escolha de reitores nas universidades federais, com a chamada lista tríplice, em que o Conselho Superior da instituição encaminha uma lista com três nomes de docentes para o presidente da República escolher qualquer um dos três.

Nos governos democráticos, o presidente da República costuma nomear o mais votado da lista. O presidente Lula sempre fez assim. Em 1998, entretanto, o então presidente Fernando Henrique Cardoso nomeou o professor José Vilhena reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que fazia parte de uma lista encabeçada pelo professor Aloísio Teixeira. A escolha transformou a UFRJ em campo de batalha durante todo o mandato do reitor e fez com que, desde então, a UFRJ e a maioria das universidades brasileiras adotassem estratégias para evitar que o caso se repetisse. A situação perdura até hoje.

Desde o episódio da UFRJ, na quase totalidade das universidades, apresentam-se ao Conselho Superior apenas o(a) candidato(a) mais votado na consulta à comunidade e mais dois(duas) docentes indicados(as) por ele(a). Assim, garante-se que o projeto escolhido pela comunidade seja colocado em prática nos quatro anos seguintes. O ex-presidente Jair Bolsonaro nomeou 22 reitores de universidades federais não escolhidos pelas comunidades, das 58 nomeações que fez, o que gerou crises profundas, principalmente para as instituições em que foram nomeados reitores que não representavam o projeto eleito. Recomendo a leitura do livro Intervenções nas Instituições Federais de Ensino: reitoras e reitores eleitos e não empossados. Nossa luta, nossa história (download gratuito da versão digital).

Nas últimas semanas, a UnB passou por consulta à comunidade para a escolha do(a) próximo(a) reitor(a). A segunda colocada na consulta, a professora Olgamir Amancia, atual decana de Extensão da UnB e ex-presidente do Fórum de pró-reitores de extensão das universidades brasileiras, elegantemente não apresentou o seu nome ao Conselho Superior para compor a lista tríplice a ser enviada ao presidente da República, seguindo o mesmo movimento nacional, como também foi feito na UnB em 2020. Tal gesto foi enaltecido pelos defensores da democracia e da autonomia universitária, mas rechaçado pelos que ainda sonham com os tempos de chumbo, que, infelizmente, não são poucos na nossa sociedade. Nessa sexta-feira, 13, o Conselho Universitário da UnB elaborou a lista tríplice que será encaminhada ao presidente Lula, formada pela primeira colocada na consulta, o seu vice-reitor e a terceira colocada na consulta à comunidade. Todos se candidataram para compor a lista.

Tive a honra de presidir a Associação dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) no ano passado, quando o PL 2699/2011, que trata do fim da lista tríplice de reitores e reitoras, foi finalmente aprovado na Câmara dos Deputados. Infelizmente, um recurso à Mesa Diretora da Câmara fez com que o projeto não fosse enviado ao Senado. O projeto aguarda a deliberação da mesa. Esse é um projeto que não beneficia nem o governo nem a oposição, mas toda a sociedade brasileira. É urgente o seu envio para o Senado Federal.

De maneira geral, o sistema atual retira dos conselhos universitários a organização das consultas e deixa a tarefa para as entidades sindicais e estudantis, que este ano optaram por retornar às cédulas em papel na UnB, mesmo com a universidade vazia em função da greve dos docentes e técnicos, e havendo à disposição sistema que permite a eleição on-line segura, como ocorre na maioria das universidades. Infelizmente, não acreditaram na ciência. Também assistimos a uma das três entidades organizadoras da consulta usar a própria máquina sindical em favor da candidata eleita. Todas essas e outras aberrações certamente serão minimizadas quando o PL 2699/2011 finalmente virar lei e os conselhos universitários retomarem a organização dos processos eleitorais de forma isenta e institucional. Essa é uma luta que precisa ser abraçada por todos que acreditam na educação como um bem público, essencial para o desenvolvimento democrático e sustentável do país e a promoção da justiça social.

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