ARTIGO

'Pé de chinesa' e a comunicação

Quando o teórico da comunicação Marshall McLuhan ponderou o popular "o meio é a mensagem" ainda na década de 1960, talvez ele pouco sabia sobre fóruns de entretenimento, influencers atores ou estereótipos em novelas

Pé de chinesa é um daqueles termos que mostram a complexidade das redes sociais. Enquanto é um viral para alguns internautas, é seguro dizer que sequer chegou aos ouvidos (ou telas) de outras pessoas. Mas além da dicotomia sobre a popularidade, o termo — ou título — se tornou um verdadeiro estudo de caso para os amantes da comunicação (como este que lhes escreve). 

A ideia é simples: Pé de chinesa nada mais é do que o título de uma novela. Até aí tudo bem. A grande curiosidade é que trata-se de um folhetim completamente inventado — e cultivado — nas redes sociais. Explico. Raphael Mertens, 35 anos, deu o pontapé inicial nessa "ficção" contemporânea. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o jornalista contou que a ideia surgiu durante um período desempregado, em um fórum da Pandlr (um site de debates voltado ao entretenimento). Martens detalha que apenas fez o tópico da "fic" (apelido para história fictícia) e a "trama" de Pé de chinesa seguiu internet afora. "Viralizou e todo mundo lá começou a criar coisas", diz.

De internauta em internauta, Pé de chinesa logo ganhou "vida", com uma autora, atores (muito bem escalados, por sinal), trilha sonora, locações e tantos outros detalhes. Recentemente, a trama inventada recebeu a abertura ao som de uma composição original (Samba do dragão) e uma boa dose de inteligência artificial. 

Apesar de Pé de chinesa ter uma parcela de devaneio (e tempo livre) por parte dos envolvidos na construção de cada peça da trama, nem tudo se resume a uma loucura de rede social, pelo contrário. O tom humorístico da novela fictícia (vide o crédito de Juju do Pix como Fo Fao) embala uma crítica assertiva ao entretenimento, como a presença de influencer tomando o protagonismo em novelas e o histórico de estereótipos desse tipo de produção.

Além do deboche e do sarcasmo, Pé de chinesa também reflete uma forma de comunicação (atenção à palavra "comunicação" e não "discurso") muito singular e pouco detalhada: a comunicação da internet — que vai além das redes sociais. Todos nós falamos na internet, isso é óbvio, mas, nesse mundo digital, ainda existe uma outra forma de comunicação, que não tem um monopólio, pelo contrário, esbanja democracia. Contudo, é também uma comunicação que não é "de todos", mas reflete a voz de muitos.

Quando o teórico da comunicação Marshall McLuhan ponderou o popular "o meio é a mensagem" ainda na década de 1960, talvez ele pouco sabia sobre fóruns de entretenimento, influencers atores ou estereótipos em novelas. Mas a ideia de meios de comunicação como um alongamento ou uma extensão das pessoas ressoa até hoje e ajuda um pouco a explicar como Pé de chinesa prospera de uma completa invenção, até se tornar algo tão completo quanto qualquer outro folhetim das 21h.

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