RICARDO PIRES — Ex-administrador de Brasília e ex-presidente do Conselho Comunitário da Asa Sul
O Eixão do Lazer aos domingos, instituído em 14 de junho de 1991, foi uma brilhante iniciativa que criou uma enorme área de lazer, ao longo de todo o Plano Piloto, levando alegria, descontração e vida saudável para a população, que podia caminhar, correr, pedalar, andar de skate, fazer piquenique com a família, brincar, namorar, tomar suco, água de coco, caldo de cana com pastel, ou outro salgado. O sucesso veio logo e a área passou a atrair também moradores de outras regiões do DF.
As razões do sucesso da nova área de lazer, podem ser explicadas pela proximidade das residências das pessoas, que não tinham mais de pegar o carro para ir a um parque, e pelo caráter democrático do Eixão do Lazer. Uma área pública, aberta a todos, diferentemente de outras áreas privadas de lazer, como clubes e shoppings. Pequenos grupos musicais de forró e chorinho também mostravam sua música, sem caixas acústicas, convivendo harmoniosamente com os frequentadores.
O lazer no Eixão aos domingos foi importante para humanizar essa via expressa de alta velocidade, que corta Brasília ao meio, no sentido Norte-Sul e que foi chamada de Eixão da Morte. Nos 33 anos de existência, o Eixão do Lazer se consolidou, mantendo um público fiel, atraindo mais gente e, em torno dessas pessoas, se estabeleceu um comércio de alimentos e de pequenos serviços, como aluguel de bicicletas e triciclos, pequenos reparos etc.
Hoje, no entanto, o Eixão do Lazer está passando por um momento difícil, causado justamente pelo seu êxito. Em virtude da grande adesão dos brasilienses, muitas atividades econômicas e grupos musicais se dirigiram para o Eixão, aos domingos, principalmente para a Asa Norte, onde o número de frequentadores é bem maior. A falta de regulamentação adequada por parte do poder público, levou a certos abusos e ao surgimento de conflitos na área, os mais sérios foram entre moradores e produtores culturais e vendedores de bebidas alcoólicas.
De um lado, moradores — particularmente os que moram em prédios mais próximos do Eixão — se queixam do barulho, do volume do som de grupos como o rock e música eletrônica, e de pessoas alcoolizadas, durante todo o domingo, justamente o dia em que precisariam descansar. Por outro, produtores culturais e vendedores de bebidas alcoólicas não querem limites para seus shows e seu lucrativo comércio.
Embora alguns possam se esquecer, o Eixão corta as principais áreas residenciais de Brasília: as asas Sul e Norte. E essas áreas devem receber o tratamento de áreas residenciais, que de fato são. E os direitos dos moradores de terem seu sossego e qualidade de vida respeitados, sem serem submetidos a sons abusivos, conforme dispõe a legislação, devem ser respeitados.
É urgente que o poder público elabore e aprove uma regulamentação que discipline claramente as atividades que podem funcionar, com os respectivos limites, horários e locais, ao longo dos 14 Km do Eixo Rodoviário. Os moradores reclamam ainda da sujeira que é deixada no local e da ocupação dos estacionamentos dos blocos por visitantes, muitos dos quais bebem e dirigem perigosamente quando saem das quadras. Além dessas questões, a regulamentação deveria abranger também questões de higiene e limpeza na produção e manipulação de alimentos e os riscos do uso de botijões de gás.
Desde seu nascedouro, o Eixão é uma imensa e democrática área de lazer, que recebe moradores de todo o DF e que sempre esteve aberto às diversas manifestações artísticas, culturais e até mesmo religiosas. Essa presença é muito importante e todo incentivo deve ser dado à cultura, inclusive, com a atração de grupos e manifestações culturais dos diversos estados do país e, até de outros países, aproveitando-se a presença das representações diplomáticas estrangeiras em Brasília.
Mas tudo isso bem regulamentado, definindo-se locais mais adequados, horários e limites de emissão sonora. Com diálogo, respeito à legislação ambiental e urbana e sensibilidade, o poder público poderá atender e alocar as diversas atividades, ao longo do Eixão, mais próximas ou mais distantes de áreas residenciais, de acordo com seus níveis de emissão sonora. A cultura é um alimento da alma, fundamental para nosso bem-estar mas, é preciso ficar claro, que a área do Eixão não é casa de espetáculos, nem feira gastronômica, nem região de bares e bebedeiras.
Não é possível unanimidade em assuntos que envolvem tantos interesses como este. Numa situação assim, não se busca unanimidade e nem mesmo representar a vontade da maioria. É preciso entender que todos devem ser respeitados e, que as músicas apresentadas pelos diversos grupos, devem ser ouvidas pelas pessoas que se dirigiram aos locais onde elas são tocadas, para ouvi-las e não serem impostas, por meio de caixas acústicas a todas as pessoas, inclusive aquelas que estão de repouso em suas residências.