WARLEY MARCOS NASCIMENTO — Chefe-geral da Embrapa Hortaliças e Presidente da Associação Brasileira de Horticultura (ABH)
Quem mora em Brasília conhece (e acompanha) a época seca nesses dias entre junho e setembro, com ausência de chuvas e umidade relativa do ar extremamente baixa — chegando, inclusive, em alguns momentos, a abaixo de 10%. Neste ano, tivemos recordes nas condições climáticas na região. Não chove há 135 dias no Distrito Federal — a última registrada pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) foi em 23 de abril. A umidade relativa do ar na última terça-feira, 3 de setembro, caiu para 7%, sendo o dia mais seco da história do DF, de acordo com o Inmet.
A umidade do ar, de uma forma bem geral, é a quantidade de vapor d'água em suspensão na atmosfera. Para a nossa saúde, o índice de umidade do ar recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de acima de 60%. Abaixo disso, os riscos para a saúde humana são desidratação, complicações alérgicas e respiratórias devido ao ressecamento de mucosas, sangramento pelo nariz, ressecamento da pele, irritação dos olhos, entre outros. Associado ao calor extremo, a desidratação é um dos efeitos mais frequentes e graves da baixa umidade relativa do ar. Assim, para amenizar o impacto do tempo seco, torna-se necessário tomar alguns cuidados relativamente simples, como reforçar a hidratação, comer alimentos leves, utilizar protetor solar etc.
Neste período também ocorrem as queimadas no nosso precioso Cerrado, com focos de incêndios espalhados por todo o Distrito Federal e Entorno. Um prejuízo à nossa fauna, flora e, claro, poluição e fumaça, piorando ainda mais a qualidade do ar que respiramos.
Existe algo positivo nestas condições de baixa umidade? Sem dúvida! Olhando para elas, ou seja, para as plantas cultivadas em um sistema irrigado nesta época do ano, a umidade relativa do ar baixa pode ser benéfica. Muitas espécies têm menor ocorrência de doenças foliares e melhora em aspectos fisiológicos e mesmo de sabor. Sabe-se que no período mais úmido ou chuvoso, os cultivos de hortaliças, por exemplo, ficam mais suscetíveis às doenças. Com isso, há uma diminuição de produtividade e ainda perda de qualidade dos produtos. Por outro lado, a época seca permite uma produção, digamos, mais sustentável, com menor utilização de agrotóxicos devido a menor incidência dessas doenças foliares. O produtor, o meio ambiente e nós, consumidores, agradecemos pela menor utilização de pesticidas nas lavouras. Soma-se a isso um menor custo de produção dos alimentos com consequências no preço final (mais barato) ao consumidor.
É nesta época seca do ano que também colhemos as sementes de diversos cultivos, em que a baixa umidade relativa do ar permite uma maturação mais uniforme e adequada em campos de produção, resultando em sementes de boa qualidade fisiológica (germinação e vigor) e sanitária (reduzindo a presença de organismos patogênicos). Sementes sadias e de boa qualidade são um bom indicativo (e uma exigência) para o sucesso na produção da cadeia dos alimentos. Ainda, condições de menor umidade relativa do ambiente favorecem uma conservação mais adequada das sementes, e, consequentemente, mais duradoura.
Pra não dizer que não falei das flores, título da música do compositor Geraldo Vandré, eu ia me esquecendo de que, nesta época seca do ano, é que ocorre a floração dos nossos majestosos ipês, iniciando pelos rosas e roxos, passando pelos amarelos e finalizando com os brancos (essa é a normalidade, embora este ano temos observado um padrão atípico na ordem das cores). Vejamos então … "Sempre há um lado positivo das coisas!"