Opinião

Beleza negra

O Miss Brasil abriu-me muitas portas. A partir dali, conheci quase todo o Brasil e viajei ao exterior a trabalho. Acredito que minha história de vida pode inspirar muita gente.

DEISE NUNES — Miss Brasil 1986

Sou Deise Nunes — mulher preta, gaúcha, natural de Porto Alegre, casada com Lair Ferst, mãe do Pedro e da Júlia, avó da Livia e, em 1986, feito inédito, fui eleita Miss Brasil. Iniciei nos concursos de beleza aos 9 anos, quando participei do Miss Simpatia na escola em que estudava. Era um concurso em que tínhamos que vender votos. Quem vendesse mais seria a representante da escola. Como vendi mais votos que as demais concorrentes, tornei-me miss da escola em 1977. Aos 14 anos, comecei na carreira de modelo. A primeira chance me foi dada pelas Malhas Elaine. Lembro-me como se fosse hoje a tensão que senti ao desfilar pela primeira vez.

Em 1983, minha mãe, Ana Maria Nunes, conseguiu meia bolsa em uma escola particular. Fui escolhida pela turma para rainha do Colégio Santa Inês. Fiquei como primeira princesa e me senti muito satisfeita. Na época, fazia parte do time de basquete da escola. Como a rainha da escola não iria poder representar a escola no Miss Umespa (União Metropolitana dos Estudantes Secundários de Porto Alegre), o grêmio propôs que eu substituísse a rainha. Hesitante, consultei minha mãe: "É lógico que tu vais representar a escola nesse concurso".

O Miss Umespa foi realizado num grande clube de Porto Alegre. Eram várias candidatas, cada uma representando sua escola. Foi quando me tornei miss Umespa 1983. Nesse mesmo ano, participei do concurso Miss Mulata Zona Sul, em Santa Vitória do Palmar, representando a cidade de Arroio Grande. Fiquei como 1ª princesa.

Aos 16 anos, em 1984, fui eleita rainha das piscinas do Sport Club Internacional e rainha das piscinas do Rio Grande do Sul. Foi aí que experimentei o dissabor da discriminação racial. Foi a pior sensação que senti, pois não tive reação, pegando-me completamente de surpresa. Em razão disso, decidi que não queria mais participar de concursos de beleza. Não tinha porque eu dar minha cara a tapa e me expor assim.

Disse a minha mãe que não queria mais participar desses concursos, que iria focar nos estudos porque meu sonho era ser médica e sabia que a carreira de modelo não duraria tanto tempo. Mas ela não me deu ouvidos. Recordou o que havia dito a minha madrinha quando ela me visitou recém-nascida: "Toma aí a tua afilhada e futura Miss Brasil". Ela viu uma chamada no SBT dizendo que as inscrições para o Miss Rio Grande do Sul estavam abertas, e que as interessadas poderiam ir até o SBT para se inscrever. Como ela sabia todas as minhas medidas e tinha fotos minhas, foi até a emissora e fez a inscrição sem que eu soubesse.

Quando soube que estava inscrita e tinha sido selecionada para participar de uma das etapas do Miss Rio Grande do Sul 1986, lembro que disse pra minha mãe que não iria, que tinha avisado que não queria mais participar de concursos de beleza. Mas, naquela época, não discutíamos com os pais. Então, ela me disse: "Tu vais porque eu já dei a minha palavra e fostes selecionada para participar da seletiva". Não tive saída e acatei a decisão. Passei pela primeira etapa, fui classificada para a final.

Para minha surpresa, fui eleita por unanimidade como Miss Rio Grande do Sul 1986, representando a cidade de Canela. No mesmo ano, fui eleita Miss Brasil, aos 18 anos de idade. Daí, representando o Brasil fiquei em terceiro lugar e ganhei melhor traje típico no Miss Sudamérica, concurso que foi realizado na Venezuela e, depois, em sexto lugar e segundo melhor traje típico no Miss Universo, realizado no Panamá.

O Miss Brasil abriu-me muitas portas. A partir dali, conheci quase todo o Brasil e viajei ao exterior a trabalho. Fiz vários trabalhos na televisão como apresentadora dos programas Papos e Pratos e Terceiro Setor. Participei da abertura da novela Brega e Chique, fui jurada do Cassino do Chacrinha, participei do programa Os Trapalhões e atuei no último capítulo da série Tarcísio e Glória, além de gravar dois clips com o Agepê para o Fantástico.

Como deu para perceber, minha vida mudou muito depois do Miss Brasil. Sou fruto da classe média baixa. Minha mãe foi lavadeira e meu pai trabalhava na companhia de energia. Não tive moleza. Tudo era batalhado, suado, mas nunca faltou nada em casa.

Hoje, faço vários eventos como mestre de cerimônias e também sou palestrante. Acredito que minha história de vida pode inspirar muita gente. Não podemos desistir no primeiro obstáculo. Precisamos perseverar e seguir em frente para alcançar o que queremos.

Atualmente dirijo a Deise Nunes Escola de Modelos, cujo objetivo é formar profissionais para a área da moda. Além do curso de modelo, a escola possui cursos preparatórios para concursos de beleza. 

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