Primeira Infância

Brasília: berço da tão necessária nova civilização

Brasília sediou o Seminário internacional dos cinco anos do Pacto Nacional pela Primeira Infância. Nenhum outro país alcançou um nível de articulação interfederativa de mais de 350 instituições congregadas em prol do tema

Ivânia GhestiDoutora em psicologia pela UnB e membro do Comitê da Primeira Infância do Judiciário do Distrito Federal

A profecia de Dom Bosco sobre Brasília não é só necessária como parece possível, a partir das conquistas realizadas nos cinco anos do Pacto Nacional pela Primeira Infância. Está na hora de pensarmos que, talvez, a civilização não desaparecerá em função das guerras ou da crise climática, mas por desperdiçar suas novas gerações… E Brasília sediou o lançamento de um pacto republicano em prol da garantia do direito ao desenvolvimento humano integral das crianças, que esperamos que nos sucedam com maior capacidade de respeito, equidade e sustentabilidade.

Precisamos construir um novo modelo civilizatório pois, enquanto as neurociências avançam em demonstrar que é nos primeiros anos de vida que se formam as bases da arquitetura cerebral necessária ao pleno exercício da autonomia e da capacidade de autocontrole requerida para convivência pacífica, aprendizagem, cuidado do planeta, de si próprio e dos demais, cerca de 10 milhões de brasileirinhos e brasileirinhas não têm acesso garantido a gestação saudável, amamentação materna, presença dos pais após o nascimento, espaços protegidos para brincar, educação infantil e proteção contra violências absurdas. Pois nada é mais absurdo que a violência sexual contra crianças de menos de 6 anos, e os números são alarmantes, assim como a ausência de serviços em quantidade e qualidade necessários para atendê-las quando isso acontece. 

Estamos em pleno século 21, o Brasil caminha na perspectiva de se tornar a oitava economia mundial e sedia o G20, mas a pauta do desenvolvimento humano e do respeito aos direitos das crianças não ganha tanto destaque quanto os conflitos — evitáveis, segundo a ciência, se houvesse investimento na formação saudável do ser humano na primeira infância. Isso envolve também os adolescentes e adultos — futuros (ou já atuais) pais e responsáveis diretos pelas crianças, não apenas materialmente, mas também afetivamente. 

Nesse cenário, Brasília sediou, no encerramento de agosto, mês da Primeira Infância, o Seminário internacional dos cinco anos do Pacto Nacional pela Primeira Infância, lançado em 25 de junho de 2019 pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Nenhum outro país alcançou um nível de articulação interfederativa de mais de 350 instituições congregadas em prol da implementação da prioridade absoluta de garantir os direitos das crianças, adolescentes e jovens, conforme o artigo 227 da Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Marco Legal da Primeira Infância.

Vários avanços foram destacados, como a criação da Política Judiciária Nacional para a Primeira Infância, a criação do Comitê Nacional na Casa Civil com a atribuição de elaborar em 120 dias a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância, a criação do Comitê de Primeira Infância dos Tribunais de Contas, a criação da rede de Frentes Parlamentares da Primeira Infância, a priorização dessa agenda pelo Conselho Nacional do Ministério Público, a elaboração do Plano Distrital da Primeira Infância, com autoria das próprias crianças, entre outras promissoras ações. 

Além disso, nessa oportunidade, foi encaminhada a criação de uma aliança entre as universidades e uma rede entre as empresas com objetivo de contribuir para atenção integrada às crianças brasileiras nessa maior janela de oportunidades para o desenvolvimento humano, econômico e social sustentável. 

Também foi debatida a necessidade de criação de formas adequadas de escuta e depoimento especial de crianças vítimas de violência na primeira infância.

Sobretudo, a realização dessa edição do seminário do Pacto no TST marcou o reconhecimento da importância da licença maternidade e paternidade e da conciliação entre vida familiar e vida profissional para o necessário cuidado dos filhos, especialmente nos primeiros meses de vida, em que se formam os vínculos familiares essenciais. Também foi observada a relação entre privação de renda familiar e exposição das crianças à exploração e trabalho infantil, situações que se agravam em função do racismo estrutural e que, se não forem superadas, não permitirão a ruptura do ciclo de pobreza e desigualdade social que desmoralizam nossa nação.

Brasília, capital de cerca de 20 milhões de crianças na primeira infância, tem o dever e a oportunidade de continuar gestando a integração das competências dos brasileiros e brasileiras para proporcionar esse salto civilizatório em honra à toda a humanidade, que é representada por cada criança, com apoio do Pacto Nacional pela Primeira Infância. 


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