As empresas de apostas on-line de quota fixa — também chamadas de bets — que ainda não pediram autorização para funcionar no país terão as operações suspensas a partir de terça-feira. Essa é uma das medidas do pente-fino na regulamentação das apostas eletrônicas prometido pelo governo. Foram feitos, até agora, 113 pedidos de outorga na primeira fase de licenciamento. Caberá à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda conceder a permissão àquelas que cumprirem as exigências legais.
A razão das restrições é que a dependência psicológica em relação às bets se tornou um problema social grave, financeiro e de saúde pública. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, "toda e qualquer forma de dependência tem que ser combatida pelo Estado". O impacto do endividamento de apostadores com o cartão de crédito para pagar apostas, publicidade milionária com artistas e influenciadores digitais e patrocínio de bets preocupa o governo.
O alerta sobre a epidemia das bets ganhou força após operações policiais envolvendo empresas que atuam no mercado de apostas de forma criminosa. Havia uma expectativa de que os jogos de apostas on-line seriam uma nova forma de financiamento dos gastos públicos ao aumentar a arrecadação, mas seus efeitos colaterais estão prejudicando a economia. Parte dos recursos dos programas sociais está indo parar nas casas de apostas.
Segundo nota do Banco Central (BC), os beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix em agosto. Cerca de 5 milhões de beneficiários, de um total aproximado de 20 milhões, fizeram apostas por essa via de pagamento instantâneo. O gasto médio foi de R$ 100. Dos 5 milhões de apostadores, 70% são chefes de família e enviaram R$ 2 bilhões às bets (67% do total de R$ 3 bilhões). O relatório inclui tanto as apostas em eventos esportivos como jogos em cassinos virtuais.
De janeiro a julho deste ano, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas em plataformas eletrônicas, uma média de 3,5 milhões por mês. É uma epidemia altamente contagiosa e muito mais veloz do que o coronavírus, que levou 11 meses para alcançar o mesmo número de pessoas. Em cinco anos, o número de brasileiros que apostaram nas bets chegou a 52 milhões, sendo 48% novos jogadores que apostaram neste ano. O número de apostadores equivale à população da Colômbia.
Quem são esses apostadores? Cinquenta e três por cento são homens e 47%, mulheres. Quatro de cada 10 têm entre 18 e 29 anos, 41% de 30 a 49 anos e 19% têm 50 anos ou mais. Oito de cada 10 são das classes C, D ou E, e dois de cada 10 são classe A ou B. Sete de cada 10 apostadores costumam jogar pelo menos uma vez ao mês. Dos que já ganharam a aposta, 60% usaram ao menos parte do valor do prêmio para tentar uma nova jogada.
Segundo o presidente do Instituto Locomotiva, responsável pelo levantamento, os celulares à mão, o apelo publicitário das bets patrocinando times e campeonatos brasileiros e a dinâmica do jogo são os grandes atrativos dessas plataformas. Entretanto, 86% das pessoas que apostam têm dívidas e 64% estão negativadas na Serasa.
Os mesmos apostadores acreditam que o jogo aumenta a ansiedade (51%), causa mudanças repentinas de humor (27%), gera estresse (26%) e sentimento de culpa (23%). Seis de cada dez admitem que a prática afeta o estado emocional e causa sentimentos negativos, como ansiedade (41%), estresse (17%) e culpa (9%). Mais: 45% admitem que as apostas "causaram prejuízos financeiros", 37% usaram "dinheiro destinado a outras coisas importantes para apostar on-line" e 30% afirmaram ter "prejuízos nas relações pessoais".
Tamanhos impactos demandam uma resposta eficaz do governo. A grande questão, porém, é como controlar essa epidemia sem erradicar as bets. Não existe ainda uma vacina para isso.
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