ALFREDO RIBEIRO DA CUNHA LOBO — Advogado, especialista em processo civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e em advocacia no direito digital e proteção de dados pela Escola Brasileira de Direito (Ebradi)
Irreversível no cenário do desenvolvimento tecnológico, a inteligência artificial (IA) tem sido pauta de uma das mais complexas discussões em Brasília. Parlamentares das mais diversas frentes políticas se movimentam para aprovar a regulamentação do uso dessa ferramenta que desafia o imaginário humano e suscita dúvidas sobre o alcance dos benefícios a serviço da sociedade. Controlar essa revolução é o ponto que norteia as propostas de implementação de regras e marcos regulatórios em todo o mundo.
A União Europeia foi pioneira globalmente na aprovação da Lei da inteligência artificial, estabelecendo barreiras de proteção e fiscalização dessa tecnologia, mesmo sob forte pressão de empresas fornecedoras de software e com algumas oposições de países como a França e a Alemanha, que rechaçaram a implementação de medidas muito restritivas ao desenvolvimento da IA. EUA e China têm regulamentações, mas ainda não tão robustas, e caminham no mesmo direcionamento de criar iniciativas para mapear riscos e garantir o uso seguro e transparente da ferramenta.
No Brasil, o Projeto de Lei Nº 2.338/2023, que tramita no Senado com outras nove propostas sobre o mesmo tema, visa criar diretrizes para o uso ético, responsável e limitador da IA, "com objetivo de proteger os direitos fundamentais e garantir a implementação de sistemas seguros e confiáveis, em benefício da pessoa humana, ao regime democrático e ao desenvolvimento científico e tecnológico".
No centro da discussão, está o poder de manipulação, fraude, desinformação e criação ultrarrealista da ferramenta, que, por outro lado, também acumula vantagens e pode impulsionar um avanço em áreas em que a inovação pode salvar vidas, como a medicina, e provocar novas dinâmicas sociais ao ser aplicada nos ramos de direito e publicidade, por exemplo.
Um dos impasses para a definição de uma legislação sobre o assunto é a aplicabilidade ainda desconhecida que a tecnologia oferece para as mais diversas áreas e setores, e o tempo de atuação legal que será preciso para impedir que um eventual uso danoso, não previsto, seja proibido antes de se tornar uma grande ameaça social. Exemplo disso é que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se adiantou e regulamentou o uso da inteligência artificial por partidos, candidatos e coligações com foco nas eleições municipais deste ano.
É plausível dizer que ninguém ainda é capaz de definir quais são os limites da IA, porque as possibilidades parecem, neste momento, ainda infinitas. Regular sobre o futuro é tomar decisões em um cenário nebuloso. Não que isso nunca tenha acontecido. O Marco Civil da Internet, que completa 10 anos este ano, também foi sancionado num cenário de dúvidas. A diferença é que, agora, o mundo tem mais clareza da velocidade dos potenciais estragos da inovação tecnológica.
Mas é mais do que justo falar dos benefícios. No campo jurídico, pelo menos por ora, o uso da inteligência artificial, com parcimônia, parece ser uma solução viável para desafogar o sistema. Segundo relatório da Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2023, chegaram ao Judiciário brasileiro 35,2 milhões de novos processos, um aumento de 9,5% em relação a 2022. São aproximadamente 84 milhões de casos sob responsabilidade de 18 mil juízes e 275 mil servidores — dados que fazem o Brasil despontar com um dos Judiciários mais volumosos do mundo.
O uso da nova tecnologia seria um importante aliado para dar celeridade aos tribunais, reduzir custos e tirar a sobrecarga do sistema. E o Poder Judiciário já entendeu isso. Atualmente, existem mais de 100 projetos de inteligência artificial sendo desenvolvidos nos tribunais e conselhos de Justiça. É certo que os prós e contras ainda precisam ser estudados porque todo material a ser produzido necessitaria de uma revisão — afinal, são robôs treinados, programados por humanos, e as possibilidades de erros são mais do que reais.
Fato é que, independentemente dos rumos da ciência, a inteligência artificial não consegue substituir o profissional de direito na sua atividade-fim. É seu cabedal teórico que vai possibilitar o exercício de interpretar e argumentar. Sem isso, juízes e advogados não se justificariam nas suas petições, audiências e sentenças. Mas essa capacidade de ir além do que a fria letra da lei determina é do homem e, nunca, em tempo algum, será de uma máquina ou de um algoritmo.
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