Opinião

Fogo chamuscou o governo

O governo do presidente Lula é o mais notável ausente. Tão ausente que foi o ministro Flávio Dino, do STF, que deu as ordens para que os órgãos do Executivo deixassem fossem à luta contra o fogo

PRI-2309-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2309-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF — Jornalista 

Tom Jobim dizia que todo brasileiro deveria ter autorização, semelhante ao porte de arma, para utilizar caixa de fósforo. Há uma antiga mania de limpar terreno com fogo. O que deveria ser um aceiro pode se transformar, nos meses secos, agosto e setembro, em violento incêndio que caminha por quilômetros e devasta áreas enormes. A floresta se regenera, ano após ano, mas os animais sofrem muito e dificilmente retornam aos locais queimados, mesmo porque a maioria deles se transforma em pasto.

A violência e a extensão dos incêndios, que lavraram em todo o país, demonstram a incapacidade da burocracia de responder rapidamente aos desafios da vida assolada por fenômenos climáticos. O próprio presidente Lula admitiu que o governo e os estados não estão adequadamente preparados para enfrentar o fenômeno, embora ele seja sazonal. Ocorre todos os anos. Em Brasília, o responsável pela defesa do meio ambiente prometeu que, no futuro próximo, instalará postos para se antecipar à ocorrência do fogo. É a completa falta de noção da realidade.

O governo do presidente Lula é o mais notável ausente. Tão ausente que foi o ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, ex-ministro da Justiça, que deu as ordens para que os órgãos do Poder Executivo deixassem as suas respectivas zonas de conforto e fossem à luta contra o fogo. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, limitou-se a constatar que até o final do século o Pantanal e boa parte da Amazônia terão desaparecido. Sua declaração é uma espécie de confissão de impotência.

Os fazendeiros do Pantanal têm os próprios meios para defender criações de gado e o meio ambiente, que rende bom dinheiro, por intermédio do turismo. Sempre ocorreu o fenômeno do fogo, em grandes incêndios naquela região. Agora, tomou proporções bíblicas e se consorciou com seca severa. A mistura dos dois elementos, somados ao vento forte, detonou o pior dos mundos na região. O pessoal do governo chamou os incêndios de criminosos. Não é isso. Ocorre o que Tom Jobim tinha identificado: o brasileiro tem mania de colocar fogo no mato. É a vocação para ser piromaníaco.

De certa forma, as mesmas desculpas são aplicadas aos problemas da Amazônia. No início do governo Lula, os órgãos oficiais anunciaram que protegeriam as reservas indígenas e proibiriam o ingresso de garimpeiros na área. Queimaram equipamentos de alto valor, deram tiro para todos os cantos, transportaram índios doentes de helicóptero, levaram remédios e mamadeiras de avião. Foi um show destinado a convencer o pessoal do centro-sul de que o Norte estava protegido. Mera ilusão.

A Amazônia, em termos de área, é mais da metade do território brasileiro. Toda a Europa ocidental cabe ali. A França, por exemplo, tem tamanho parecido com Minas Gerais. Espanha com Bahia. As Forças Armadas brasileiras não têm condições de defender a fronteira nacional, vazada por contrabandistas de todos os tipos. A Amazônia continua entregue à própria sorte. Os ambientalistas oficiais querem transformá-la num santuário para os gringos fotografarem macaco e jacaré.

O garimpo é outro problema sério e profundo. O ouro brasileiro é contrabandeado para o exterior, não paga impostos e rende muito para investidores estrangeiros. Segundo os cálculos dos especialistas, os garimpeiros somam cerca de 25 mil a 30 mil brasileiros que entram na mata, correm todos os riscos, em busca do metal precioso. Fazem isso porque há muito ouro na Amazônia. Óbvio. A tragédia do óbvio é não ser reconhecido.

Enxotar os garimpeiros é abandonar uma riqueza considerável e admitir que há brasileiros de primeira e segunda classe. É mais fácil chamar a polícia, fazer algumas operações na frente dos repórteres de televisão e depois esquecer o assunto. É o que o governo fez. Ou seja, não avançou em nada no sentido de incorporar a Amazônia como entidade econômica ao centro-sul do país. A única medida efetiva em favor da Amazônia foi a criação da Zona Franca de Manaus, por Roberto Campos, nos anos 1960. A esquerda combate até a abertura de estradas, o que permitiria maior circulação da riqueza. É um reacionarismo insensato.

O fogo teve o mérito de chamar atenção de todo o Brasil para a realidade da vida dos brasileiros na Amazônia. Os pantaneiros foram lembrados por sua aflição diante da expansão das labaredas que prejudicaram a criação de gado e invadiram as áreas de proteção ambiental. É uma tragédia que o governo não conseguiu perceber. Ficou atônito, na expectativa de que o assunto se resolvesse por ação do divino ou de uma chuva fora de hora. Nada disso aconteceu, e a burocracia tenta um segundo golpe: depois da liberação de verbas, a criação da Autoridade Climática, que ninguém sabe o que seria porque já existe o Ministério do Meio Ambiente. Muitas palavras e nenhuma ação.

 

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postado em 23/09/2024 00:01 / atualizado em 23/09/2024 06:00
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