Marco Aurelio Moura dos Santos — Doutor em direito internacional e comparado (USP), professor de direito e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Proteção Internacional das Minorias (GEPIM/USP)
Recentemente, o Líbano foi abalado por ataques quase simultâneos que deixaram feridos e mortos. A série de explosões de pagers e walkie-talkies de membros do Hezbollah matou 37 pessoas e deixou mais de 3 mil feridos, segundo o Ministério da Saúde libanês. O governo informou à ONU que explosivos foram implantados nos aparelhos usados pelo grupo armado antes de chegarem ao Líbano. Esses dispositivos, sem GPS e usados para evitar rastreamento israelense, explodiram atingindo também civis.
A investigação libanesa corrobora informações divulgadas pelo The New York Times que apontam que Israel teria vendido os aparelhos ao Hezbollah por meio de uma empresa de fachada, em uma operação secreta conduzida pelo Mossad e a Unidade 8200. Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, disse que o grupo tinha mais de 4 mil desses dispositivos, mas nenhum deles era usado pela alta liderança.
Se confirmada, a acusação sugere o envolvimento direto de Israel em uma ação que pode ser classificada como crime de guerra e contra a humanidade, já que os ataques chegaram a civis e causaram mortes indiscriminadas com uso de armas proscritas. A natureza dos eventos levanta preocupações sobre violações ao direito internacional humanitário, que regulamenta o uso da força em conflitos armados e a proteção da vida humana.
A gravidade dos ataques não se limita à dimensão física da destruição. Para o direito internacional, o uso de explosivos em dispositivos de comunicação de um grupo armado, resultando em ataques generalizados contra a população civil, pode ser enquadrado como crime contra a humanidade. Em contexto de conflito armado, se for comprovado que os ataques visaram a população civil, ou que os danos causados foram desproporcionais ao objetivo militar, agentes israelenses podem ser acusados também por crimes de guerra. A tipificação das condutas está descrita nos artigos 7º e 8º do Estatuto de Roma, tratado que rege os crimes internacionais e a jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Outra preocupação é a possível utilização de armas químicas. Embora não haja informações conclusivas até o momento, a forma e a escala dos danos levantam suspeitas sobre a natureza dos explosivos usados. A Convenção de Armas Químicas, assinada em 1993 e ratificada por mais de 190 países, proíbe categoricamente o uso de qualquer tipo de agente químico em conflitos armados devido aos efeitos devastadores sobre civis e combatentes.
Caso sejam confirmadas as suspeitas de uso de substâncias químicas ou de agentes tóxicos nos explosivos, isso representaria clara violação da legislação internacional. As Nações Unidas e organizações de direito humanos têm alertado constantemente sobre o aumento do uso de armas químicas em conflitos, o que torna o caso mais alarmante. Os recentes ataques no Líbano geraram indignação internacional, com diversos países e organizações internacionais pedindo investigações imediatas.
Se as acusações contra Israel forem confirmadas, haverá pressão para julgamento dos responsáveis no Tribunal Penal Internacional (TPI), que tem jurisdição sobre crimes internacionais. Entretanto, nem Israel ou Líbano são signatários do Estatuto de Roma, o que pode dificultar a responsabilização formal, a menos que o Conselho de Segurança da ONU intervenha.
Por outro lado, o Hezbollah também enfrenta escrutínio, já que seu uso de dispositivos de comunicação militar e a possível presença de civis nessas áreas levantam questões sobre a proteção humana em zonas de conflito. Há temores de que os ataques possam ser o início de uma nova escalada de violência na já frágil estabilidade da região.
Os recentes ataques no Líbano não se limitam a tragédias humanitárias, eles constituem uma violação grave ao direito internacional. A detonação de dispositivos de comunicação, resultando em mortes em larga escala, exige resposta. Caso sejam confirmados como operações coordenadas por Israel, esses atos poderão ser qualificados como crimes de guerra e crimes contra a humanidade, com implicações severas para a ordem jurídica internacional. A realização de uma investigação imparcial e a responsabilização dos envolvidos são imperativas para interromper o ciclo de violência que continua a devastar o Oriente Médio e preservar a integridade das normas internacionais que regem os conflitos.
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